O Direito como conjunto ordenado das sociedades é indispensável ao combate à corrupção mas não é um elemento suficiente. Os decisores públicos, aqueles que detêm o monopólio da violência legítima podem, apesar das prescrições da lei, contorná-las e até instrumentalizar o Direito a favor dos seus interesses privados.
Há pois um ambiente de controlo e reprovação que a sociedade deve exercer em relação a esses comportamentos, particularmente dos detentores do poder.
É do interesse geral da sociedade que a vida em comum se torne cada vez mais ética. Esta é a verdadeira força de coesão das sociedades modernas.
As sociedades éticas estão mais ao abrigo de conflitos. A força da ética, do sentido de reprovação colectiva que se sobrepõe a todos os interesses porque alcandora ao mais elevado patamar o interesse da comunidade, é uma poderosa força de coesão e de disciplina sociais.
Esta reflexão faz lembrar a pequena estória que um colega e amigo me contou há já alguns anos. Estando ele de visita a uma localidade do seu país, foi ter a um barracão que tinha uma porta fechada e em frente dela um indivíduo sentado.
Perguntou-lhe então o que ele fazia ali. Este respondeu que estava preso e aquele barracão era a prisão. O meu amigo intrigado perguntou-lhe pelos guardas da prisão. A resposta foi que não havia mais ninguém ali e que o próprio preso guardava a chave da prisão no seu bolso. Imediatamente lhe foi perguntado porque não se ia embora em vez de ficar ali a cumprir a sua pena de dois anos de cadeia. A resposta foi: "Não, eu não posso sair daqui! Tenho que cumprir a minha pena, pagar a minha dívida com a sociedade e depois reintegrar-me nela. Se eu fugir daqui, nunca mais vou poder viver na minha comunidade. Ninguém mais me vai dirigir a palavra, nem mesmo a minha família me vai aceitar!".
Essa estória singela tem-me acompanhado nas minhas mais recentes reflexões sobre ética e as sociedades africanas. Aquela atitude ética contrasta com o que conhecemos no nosso país, onde reina o nacionalkambismo. Estamos sempre juntos.
Parece que as sociedades éticas, aquelas que são capazes de produzir um juízo colectivo de reprovação de determinados comportamentos, são mais fortes e podem prevenir mais facilmente conflitos e sobretudo atitudes extremas de violência, seja ela física, psíquica, financeira, económica, social, cultural, ecológica ou outra.
A ética também se revela muito importante no meio académico. Há todo o interesse em se divulgar e consolidar uma cultura ética, no seio das suas instituições para dotar os cidadãos futuros, em geral, e os quadros, em particular, de um sentido de reprovação de determinados comportamentos e também para combater a prática da fraude académica, seja dos docentes (através do plágio) seja dos estudantes (através da cábula).
Por esta razão, em 2007, com o apoio do Christian Michelsen Institute (CMI) e visando aumentar os recursos de ensino na Universidade Católica de Angola (UCAN), estabeleceu-se um acordo com a STATOIL para a publicação de três compêndios sobre ética e gestão de recursos naturais, a serem utilizados nos seus cursos de licenciatura.
Na sequência dessa cooperação foi desenhado um projecto de disseminação dos valores da ética através da realização de palestras, em várias universidades do país. Durante estas palestras que eram amplamente divulgadas pela comunicação social local, eram também distribuídos os ditos compêndios que foram entretanto reeditados.
Depois do sucesso dessa experiência foi celebrado um novo acordo que visa a materialização de um novo e mais alargado programa. A sua finalidade continua ser a mesma: a de contribuir para a transmissão dos valores da ÉTICA, transparência e boa governação. O seu foco foi alargado, ultrapassando o mundo universitário e visando também quadros e decisores públicos, responsáveis de associações corporativas e até o grande público.
As suas acções, não são somente de palestras e de distribuição de um novo compêndio, incluem também um programa radiofónico mensal, transmitido pela Rádio Ecclesia, e acção de advocacia junto das reitorias das instituições de Ensino Superior para que adoptem a ética como disciplina curricular ou, pelo menos, que aceitem a integração da disciplina de ética (ou conteúdos concernentes) em outras disciplinas dos cursos ministrados nas suas instituições.
A geografia do novo projecto foi também alargada e vai tocar seis das dezoito províncias do país: Uíge, Luanda, Kwanza-Sul, Benguela, Huambo e Huíla.
Procurar contribuir para a formação de uma sociedade ética é pois encontrar mecanismos de previsibilidade do devir nacional. É procurar radicar nas pessoas regras e princípios para serem aplicados de uma forma equitativa, objectiva e consistente que permita consolidar um espírito de pertença e responsabilidade em relação à sociedade e ao outro, independentemente de outras quaisquer considerações.