David Cameron cedeu às pressões da ala eurocéptica do Partido Conservador e usou o trunfo do referendo para garantir a sua reeleição como primeiro-ministro, em 2015, sem ter a mínima noção das consequências do seu acto, quer para o Reino Unido e para a União Europeia (UE), quer para o seu próprio partido.
O Reino Unido nunca teve uma relação fácil com a UE e, desde o início, manteve uma postura dúbia, interesseira e pouco solidária, contrária ao espírito dos pais do projecto de construção europeia, que nasceu com o objectivo de pôr termo à tradicional rivalidade franco-alemã, na génese das duas guerras mais demolidoras da Humanidade.
Com um pé dentro e o corpo quase todo fora, o Reino Unido incentivou a aliança económica saída, há quase 60 anos, dos Tratados de Roma, que criaram a Comunidade Económica Europeia (embrião da UE), mas não fez parte dela. A sua adesão só foi formalizada 16 anos depois, com o primeiro alargamento, sem aderir, mais tarde, à moeda única, base de sustentação do Sistema Monetário Europeu e um dos pilares do Mercado Comum.
O Reino Unido serve-se de um espaço amplo de comércio e de negócios, com liberdade de circulação e mais de 500 milhões de consumidores, sem estar sujeito ao espartilho do Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, abreviadamente conhecido como Tratado Orçamental. Vive no melhor de dois mundos, beneficiando de um regime de excepção que outros países não se atrevem a pedir, consciente de que a sua posição geográfica lhe garante um poder de negociação que poucos têm dentro da UE. E com a sua visão parcelar e interesseira numa união, mais económica que política, mais formal do que material, joga, não só o seu, mas o futuro de 28 países que decidiram enfrentar juntos os desafios, num momento difícil, dominado pelas migrações e pelo terrorismo planetário, onde a solidariedade e coesão é posta diariamente à prova. E poucas vezes resiste. Como se vê!
Não é só a Europa que enfrenta um teste de solidez. O Fundo Monetário Internacional (FMI) baixou as suas previsões económicas para os EUA, depois de advertir para o perigo de "tensões sociais" pela existência de 40 milhões de pobres.
No país onde as pessoas são "doutrinadas" a pensar que nasceram no melhor sítio da terra, como afirma o realizador norte-americano Michael Moore, 15% da população vive em situação de pobreza, o que ameaça "corroer os pilares do potencial e actual crescimento e diminuir os avanços na qualidade de vida do país", adverte a directora do FMI, Christine Lagarde.
Ao apresentar a revisão anual da economia dos EUA, Lagarde referiu o declínio na força de trabalho e na produtividade e a crescente desigualdade e os elevados níveis de pobreza como factores que ensombram as perspectivas.
"A pobreza não só cria significativas tensões sociais, como também reduz a participação na força laboral, e compromete a capacidade de investir na educação e no acesso à saúde", assegurou.
Um estudo na rede pública de universidades Cal State, divulgado terça-feira, atesta o sentido dos alertas do FMI. O inquérito apurou que entre 8,7% e 12% dos 460 mil estudantes da Cal State, a maior do país com 23 campus, não têm domicílio fixo e que entre 21% e 24% não têm acesso regular a alimentação.
Ou seja, em média, um em cada cinco estudantes da rede universitária passa fome e um em cada 10 alunos está perto de se tornar um sem abrigo.
No estado da Califórnia, por exemplo, a situação atinge mais de 50 mil estudantes. Muitos dormem em carros, tendas, estações rodoviárias e ferroviárias, parques de estacionamento, motéis, parques de campismo ou refúgios, o que contrasta com a imagem paradisíaca que muitos têm da América.
O American Dreem desmorona-se à medida que se coloca uma lupa sobre o país, como revela o último filme de Michael Moore. "Ensinam-nos que fomos abençoados e que fazemos tudo certo. Também nos ensinam que o capitalismo é o máximo e que o lucro é mais importante do que as pessoas. Ora, é precisamente por isso que já não somos o nº 1 em nada. Já nem ganhamos guerras", afirma o realizador ao Expresso, a propósito do filme "E agora vamos invadir o quê?".
Como todos os impérios, também o dos EUA se desmorona, o da Europa vai a caminho e os seus cidadãos já não se estão a sentir lá muito bem...