A cada semana o ritual repete-se: O BNA informa quantos milhões de divisas vendeu aos bancos comerciais e até vai ao pormenor de indicar a que se destinam as verbas. Mas, anúncio após anúncio, a indisponibilidade de dólares e de euros para os clientes mantém-se, e as únicas transgressões cambiais apontadas às instituições financeiras - pelo menos que tenham sido divulgadas - decorrem de atrasos na prestação de informações.

Neste cenário, a pergunta impõe-se: Se os bancos cumprem as regras, conforme atesta a supervisão, e canalizam as verbas recebidas para os fins devidos, qual a explicação para a ausência permanente de dinheiro, por exemplo para viagens, assistência à família e transferências de salários?

A história de João, nome fictício, ajuda a perceber. "É garantido porque funcionou comigo. Através do banco e de um intermediário, paguei um câmbio de 420 kwanzas por dólar e consegui transferir em 48 horas o equivalente a três mil dólares para a conta da minha mulher em Portugal", conta o engenheiro civil ao Novo Jornal online.

Sem o risco das notas falsas nem o medo de assaltos que acompanham o negócio na rua, o português confessa que começou por "desconfiar da esmola", mas depressa as peças se foram encaixando.

"Quando me começaram a pedir a papelada, percebi logo que ia ser tudo by the book (dentro das regras), mas com uma espécie de taxa de urgência em cima, que é cobrada à margem dos documentos".

Ou seja: A diferença mede-se pelo câmbio de 420 Kz por dólar, mais do dobro do câmbio oficial, que ronda os 170 Kz. A este valor acresce uma taxa bancária de 5%.

Duas contas para fechar negócio: uma oficial, outra para reservas

Os termos do negócio foram detalhados ao Novo Jornal pelo intermediário utilizado por João, com quem entrámos em contacto através de uma troca de mensagens no Facebook.

Depois de avisar que "já há lista de espera", o homem descreve as exigências."O câmbio é de 420, é preciso apresentar comprovativo de fundos, dados da conta de destino e cópia de um documento do titular da mesma. Dois dias depois os valores estarão depositados e darei a indicação das duas contas angolanas para onde deverá enviar o dinheiro. Nota: na transferência o banco cobra uma taxa de 5%".

Mas como é que, neste contexto, alguém pode assegurar, através dos canais oficiais, e de uma conta em Kwanzas uma transferência internacional em 48 horas, perguntámos, sob pretexto de acautelar uma eventual burla.

"Só posso dizer que o dinheiro sai mesmo. Os detalhes não são importantes neste caso, como deve entender, desde que o dinheiro vá para a sua conta. Adianto apenas que se trata de um investidor que quer Kwanzas aqui, pois até as notas estão difíceis", reforça o intermediário, sem grandes esforços de persuasão.

"De qualquer forma, tem pessoas à sua frente", insiste.

Para travar esta e outras "engenharias", o Comité de Supervisão da Unidade de Informação Financeira (UIF) - que auxilia o Governo no combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo - estuda o agravamento das sanções nos casos de transferência ilegal de moeda, tendo orientado o aprofundamento de propostas para a criminalização de situações mais graves.

A maior dificuldade não parece estar contudo na aplicação de sanções, mas sim no aprimoramento das transgressões, conforme demonstra o exemplo de João. Apesar de ter contornado as regras para garantir a transferência, claramente com a conivência de alguém do banco, o facto de ter preenchido os formulários exigidos e apresentado a documentação necessária permite à instituição legitimar a operação junto do BNA. A mecânica é simples, descreveu João: Ao indicar duas contas para depósito, o intermediário utiliza uma para efectuar a transferência à taxa de câmbio oficial, reservando a outra para os ganhos.