Folheando as páginas da colectiva memória do país, cruzamos com uma situação bastante grave que infelizmente ainda encontra paridade nos dias que correm, muito por conta da situação escandalosamente absurda e politicamente mal esclarecida como é esta da aludida crise económica que parece ter despertado o país do obscurantismo da subordinação ao petróleo.

De resto, um assunto sobre o qual pouco se discute na perspectiva da análise das causas reais, ao invés de ficarmos apenas pelo jargão político e pela ideia minimalista e ordinária de que "o contexto das vendas, decorrente do abaixamento do preço do barril de petróleo no mercado internacional", nos levou à derrocada, tratando-se de um país onde a economia, durante largos anos, cresceu perto dos dois dígitos!

Há-de haver uma explicação para tão rápido termos passado do céu ao inferno, isto é, de Outubro de 2014, que foi o ano do anúncio, à data actual. Ou seja, este tipo de argumento não colhe, pelo menos na nossa cabeça!

Contudo, recomendam-nos os factos que nos fixemos na década de 1990, quando centenas de cidadãos angolanos, formados nos distintos ramos científicos, regressaram ao país e viram-se a braços com uma triste realidade que mudou para sempre as suas vidas, impulsionando, com extrema violência, um sentimento de frustração no plano pessoal, profissional e material.

O país tinha-se voltado para o fundo do abismo, de tal maneira que inúmeros quadros classificados, oriundos de Cuba e de alguns países da Europa do Leste, foram obrigados, pelas circunstâncias de penúria, a irem vender no mercado do Roque Santeiro (para aqueles que estavam em Luanda), e outras poucas zonas comerciais a céu desnudo que se espalharam pelo país. Tudo porque precisavam de sustentar as famílias que aqui tinham deixado ficar e as mulheres e filhos que com eles haviam abraçado o sonho do regresso ao solo pátrio.

A ambição política, a legitimidade que se conseguiu perante a oportunidade do acesso às riquezas do país logo a seguir à implantação do multipartidarismo, nomeadamente aos diamantes; os desvios nunca revelados dos rendimentos do petróleo, tudo isso, fez da classe política adstrita ao poder, sobretudo quem sempre esteve nos cargos de decisão, a parte mais privilegiada da sociedade em detrimento da esmagadora maioria proveniente das academias europeias e das Caraíbas.

Por conseguinte, estes quadros tiveram de enfrentar as maiores agruras das suas vidas. Muitos deles perderam de vista mulheres e filhos, outros enveredaram pelo alcoolismo; houve igualmente famílias que se desintegraram muito por conta da falta de autoridade de quem se aguardava que viesse salvar a "pátria familiar" da miséria.

Viram-se adultos abrir mão da sua postura activa por não estarem numa posição financeira que lhes desse legitimidade de fazer vingar a sua voz de tenor na regência dos ditames da família. E outros exemplos!

Ora, se na década de 1990 o problema da degradação da condição social dos quadros se deteriorou já cá no país, muito em função do conflito civil que encontraram, claro está, hoje assiste-se a esta degradação, violenta, com os quadros angolanos em formação ainda no estrangeiro. E a justificativa é a mesma que se dá a todos os males que hoje agravam a situação de todos: a crise! Uma crise que em dois anos anulou os ganhos conseguidos em décadas de venda de petróleo!

Denúncias várias vieram a público, mas vimos apenas posições diametralmente contrárias na abordagem do problema. Por um lado, o Governo, através da Secretaria de Estado do Ensino Superior, veio a terreiro negar os queixumes dos bolseiros no estrangeiro, alegando ter pago o que tinha a pagar. Por outro, assistimos nas redes sociais a denúncias tenebrosas sobre a precariedade da situação em que se encontram esses estudantes. O mais chocante em tudo isso está no facto de se tratar de países que, no plano bilateral, mantêm relações geoestratégicas privilegiadas com Angola. Pelo menos, assim o dizem os entendidos na matéria!

Mas, mais do que o problema da fome, foi um duro golpe ouvir que estudantes angolanas estão a ser obrigadas a prostituir-se para conseguir o que comer em Moscovo, por exemplo. Na África do Sul, uma outra situação caricata: estudantes angolanos foram expulsos por não pagarem as propinas e estão neste momento sob o tecto, segundo contou o jornal O País, de um "bom samaritano" gabonês, que os acolheu em sua residência!

Da cidade do Porto, chegaram igualmente relatos de que muitas jovens, na impossibilidade de continuarem a sustentar os estudos, desistiram. Outras cederam a pressões e ao aliciamento, tornando-se "garotas de programa". Na conferência que a Secretaria de Estado do Ensino Superior deu ao país, em momento algum ouvimos contrariar ou lamentar tais revelações.

Terá sido por esquecimento ou porque simplesmente isso envergonha o pelouro e a todos nós?!