É verdade que esse fenómeno teve e continuará a ter um papel primordial na democratização do acesso a um número ilimitado de possibilidades de ter à disposição instrumentos de cariz cultural, científico, educacional, histórico, sociológico, político, etc., etc.

Porém, quem não esteja suficientemente preparado - e preparação aqui implica, além de tudo o mais, a noção dos limites que cada um não deve ultrapassar, como de resto nas relações que mantemos no quotidiano, na rua, na sala de aulas ou no escritório, para as consequências da sua adesão - corre demasiados riscos. De ser conduzido(a) para a defesa de imensos pontos de vista, seja qual for a matéria que aborde, em razão de diferentes graus de emoção imediata, recebida e consumida de chofre, esquecendo, melhor, não lembrando, dado o imediatismo das reacções, com os quais vem a perceber que não concorda.

O crescimento exagerado das cidades, o afastamento gradual das pessoas de uma convivência mais ou menos permanente e a distanciação física de familiares e amigos contribuem, sem sombra de dúvida, para o engrossar das fileiras que integram as redes sociais, dando a ilusão de que, uma vez aí integrados, deixamos de estar sozinhos, deixamos de ser sozinhos e estamos virtualmente rodeados de centenas de pessoas. Nada mais enganador.

Há uma vaga promessa de libertação individual que nos leva a esquecer que a engrenagem montada, em pouco tempo e consoante o grau de informação que lá pomos à disposição do público ou dos amigos, absorve todo o tipo de informação acerca de cada um de nós. Das músicas que ouvimos às pessoas com quem nos relacionamos, dos sítios que visitamos aos lugares que frequentamos, dos gastos que alguns fazem à necessidade de mostrar aos outros quantas vezes o que não somos, o que não temos, numa promessa de, virtualmente ao menos, expormos um lado da vida com o qual, na maior parte dos casos, não temos na realidade nada a ver. Como também das ideias que defendemos, das figuras que admiramos, das que não gostamos, havendo gente que chega ao ponto de fazer uma espécie de diário pessoal que, como todos os diários, não deveria nunca chegar ao domínio público.

Saber utilizar as redes sociais, defendendo-nos do que nos pode afectar, individual e/ou colectivamente, passa por dosear a sua utilização (para quem as aceita e marca a sua presença com maior ou menor permanência), evitar que o check-up que nos é feito permanentemente acabe por ser total, retirando os direitos inalienáveis de cada um à sua privacidade.

Quem manipula essa informação, quem a recebe e a organiza, quem a acumula, tem em relativamente pouco tempo o controlo de biliões de pessoas, sem que consigamos dimensionar de que forma, cedo ou tarde, essa informação possa ser utilizada para os mais diversos e pouco sérios objectivos.

A participação activa e solidária na vida do que hoje chamamos de sociedade civil, em associações cívicas, culturais, desportivas ou de qualquer outra índole, não apenas ajuda a travar, a evitar que sejamos "engolidos" pelo vício que a frequência exagerada das redes sociais acaba por causar - como nos indica o caminho do reencontro com a convivência, com a partilha, com conversas olhos nos olhos, com a repartição do conhecimento - mas também das alegrias e tristezas das nossas vidas de uma forma muito mais humanizada, profunda e em absoluto menos solitária.

Citando Bernard Maris na sua "Carta Aberta aos gurus da economia que nos tomam por imbecis": «O aumento de felicidade previsto é de 2,75%. Os homens são cem vezes mais felizes do que há cento e cinquenta anos. Depois, vão passear com os vossos alunos nos subúrbios. Ou então vão aos sinistros "bairros elegantes"... Talvez estejam a falar de bem-estar...? Dêem uma volta pelos supermercados, embeveçam-se com o vosso novo lava-loiças; levaram tantas horas a conquistá-lo! Tantas horas passadas nos engarrafamentos e atrás de uma secretária! Tanto tempo mereceria ser recompensado por tanto bem-estar, reconheço-o. Montaigne inveja-vos. Mas se calhar vocês já nem têm tempo de ler Montaigne, vocês que passam a vida a ganhar tempo».