Lamentavelmente o que se está a passar com a Igreja angolana, genericamente falando, é uma verdadeira desgraça. A Igreja, que deveria ser a autoridade moral, tornou-se, sobretudo ao nível dos seus principais líderes, abrigo de corrupção, oportunismo e servilismo. Numa sociedade como a nossa, um dos maiores desafios deveria ser a sua contribuição para a melhoria da condição de vida das pessoas, através da acção social parceira do Estado mas também da defesa de valores como a justiça social, o direito ao emprego e à justa remuneração, o direito à habitação condigna, à igualdade de oportunidades, à luta contra a pobreza e contra as desigualdades entre angolanos. Quando todos os que vivem esses dramas recorrem cada vez mais às igrejas em busca de conforto espiritual e as suas lideranças actuam como aves de rapina. Sugam cada centavo que podem dos crentes já famintos e colocam-se como agentes propagandísticos do partido no poder, sem fomentar um pensamento crítico sobre os dramas sociais da população. Parece até algo tão perverso como não questionar a origem dos problemas sociais e assim assegurar que nas igrejas esteja sempre gente em busca de esperança. Excepção feita à Igreja Católica e a uns poucos líderes religiosos que têm vindo a tomar posições claras, a situação das restantes igrejas, sobretudo as evangélicas, tem vindo a degradar-se ano após ano.

As lideranças religiosas estão mais preocupadas em "depenar" os fiéis inventando sempre novas formas de os levar a contribuir do quem em ajudar a melhorar as condições sociais, os níveis de pobreza, etc., etc. Trata-se de um mal ainda circunscrito às lideranças mas que caminhará para a proliferação não só por reprodução dos exemplos que vêm de cima mas também porque tais liderança fazem por ter em postos-chave os seus homens de confiança e discípulos.

Não é, pois, possível construir uma sociedade democrática aberta a pensares diferentes sobre a crença, a vida e a moral se os líderes religiosos que devem ser exemplos de equidistância e autoridade moral, são parte do problema, tomam partido e se posicionam em cores partidárias, atiçando irmãos contra irmãos.

O que é verdadeiramente de bradar aos céus é o facto do papel social da Igreja ter sido subalternizado em função de conveniências materialistas e oportunistas de certos líderes religiosos.

A visão de líderes espirituais bajuladores e mercantilistas ofende seriamente o papel da igreja enquanto entidade de ensino de valores morais e espirituais, na construção do carácter das crianças e dos jovens. O exemplo da busca do luxo, do exibicionismo e do desapego à dor do outro serão extremamente prejudiciais num futuro próximo e tornarão a nossa sociedade mais degradada ainda do que é hoje. Imagine- -se o que será dentro de alguns anos quando a sociedade for dirigida por jovens actuais que não recebem dos seus líderes espirituais referências morais básicas para que a Igreja se perpetue como autoridade moral central da nossa sociedade.

O mesmo encontramos no nível de intervenção pública da Igreja. Salvo raríssimas excepções, a igreja angolana nada tem a dizer sobre assunto nenhum, seja o aumento da violência sexual, sobre o aborto, sobre o uso do preservativo, a destruição de uma casa de família, a morte de centenas de pessoas ou os altos níveis de pobreza extrema ou até o contraste entre a alta mortalidade, a corrupção tentacular e os excessos do novo-riquismo. É uma igreja calada, que assiste ao desmoronar do valor do indivíduo em si mesmo, sobretudo com o medo de ofender e perder as benesses que recebe. Não se ouve na igreja um grito que seja, a voz dos que não podem falar nem o grito pelos valores basilares da nossa vida como pessoas humanas. Basta no entanto que se faça um acto político e mobilizam-se todas as vontades. É uma igreja indiferente ao sofrimento do povo, incapaz de oferecer o caminho da esperança, incapaz de honrar a razão por que Jesus morreu e que no fundo é a verdadeira vocação: "ajudar a encontrar caminhos para fora do sofrimento". (...)

(Pode ler a crónica integral Democracia e Cidadania na edição nº 460 do Novo Jornal, nas bancas, ou em digital, que pode pagar via Multicaixa)