«Nas condições actuais, o futuro das políticas de esquerda progressistas e orientadas para o futuro é demasiado incerto. Num mundo centrado na coisificação de todos em nome do lucro, a submissão do político ao capital é a ameaça real. A transformação da política em negócio pressupõe a eliminação daquela. Se a civilização pode dar lugar a alguma forma de vida política é o grande problema a enfrentar no séc. XXI».

Achille Mbembe, filósofo e investigador camaronês, Dezembro de 2016

A experiência de vida que temos vai-nos mostrando que o método mais simples e eficaz de controlar determinado público-alvo é levá-lo a manter-se desconhecedor dos princípios básicos de qualquer sistema, conduzindo-o à confusão e à desorientação e, em simultâneo, é levado a entreter-se com temas de nenhuma importância.

Tal é possível através de um trabalho constante de desvalorização mental e espiritual; na manutenção de um sistema de ensino de baixo nível e sem qualidades científicas e educacionais; na exaltação permanente do gosto por actividades emocionais e físicas que aumenta, sob a superfície, os egos individuais, desvalorizando a integração de cada um, de cada uma, no espaço social em que se integra.

Se ao recurso quase doentio às redes sociais - que acirra disputas estéreis, opiniões que têm tanto de voláteis como de vazias e a criação de adversários e até mesmo de inimigos virtuais - juntarmos o "disparar" interminável de notícias de televisões, rádios e da própria Internet que sublimam a violência, a guerra, as desgraças individuais e colectivas, o sexo e a vida privada das chamadas figuras públicas, configuramos um quadro explosivo, que vem sendo alimentado há décadas e que começa agora a dar os resultados que os criadores deste tipo de políticas pretendiam.

O culminar desta estratégia a longo prazo - iniciada nos anos 80 e concebida até ao mais ínfimo detalhe, por mais que os menos conscientes ou mais distraídos não dêem conta dela - é, sem dúvida, a eleição dessa figura dantesca e perigosamente ridícula que dá pelo nome de Donald Trump. Que faz lembrar, pela mediocridade, pela profunda maldade que demonstra e pela trágica ignorância em que se afunda, uma figura tenebrosa, nascida em Viena de Áustria corria o ano de 1889 e que viria a tornar-se no principal causador da 2.ª Guerra Mundial: Adolf Hitler.

Convenhamos que é público e notório não serem os Estados Unidos um país conhecido pela existência de um número proporcional de intelectuais lúcidos e intervenientes relativamente à quantidade da sua população. E não consta que o ensino médio norte-americano e o acesso dos seus cidadãos de nível médio a actividades culturais (livros, cinema, teatro, dança, pintura) estejam nas listas dos países mais desenvolvidos do mundo.

Com a excepção histórica de Barack Obama, a quem é forçoso reconhecer-se um nível de conhecimento, de profundidade, de espírito de missão e de envolvimento numa óptica de longe superior a todos os anteriores presidentes dos EUA e muito acima dos que foram sendo chefes da administração norte-americana (basta lembrar Nixon, Reagan, Bush Pai e Bush Filho...), a teia de interesses que conflui, não nos cansamos de lembrar, no Clube de Bilderberg, que levou vinte anos mantendo as sociedades de um número vasto de países na ignorância (logo, com menor capacidade de organização social), a viverem debaixo de grandes preocupações (com menos defesas) e atacando o núcleo familiar (controlando assim a educação dos jovens).

Começa a ficar claro que o tão elogiado, pelos mais incautos, processo de globalização é o resultado de uma verdade que vai sendo imposta, e que não é verdadeira. É construída principalmente pelos meios de comunicação social.

Os países que não estão na dependência política, económica, ideológica e militar dos Estados Unidos - mesmo que influenciados do ponto de vista cultural - terão como uma das suas missões essenciais aprofundar o diálogo a todos os níveis, alargar e aprofundar consensos, estabelecer pontes de entendimento e preparar-se para enfrentar alguém que defende que "a democracia é um diálogo em que os cidadãos não podem dialogar", na feliz expressão de Cristina Jiménez.

Nesta encruzilhada civilizacional, só uma grande frente de todos os homens e mulheres de boa vontade poderá ajudar a combater o regresso ao primitivismo a que nos querem conduzir, seja pela via de ditaduras impostas por ditames religiosos, pela perseguição de minorias, seja pela manutenção de poderes aparentemente anti-ocidentais que pretendem aniquilar a democracia.