Os políticos, como dizia o estadista inglês do século XVII Felipe Stanhope Chesterfild, "são conduzidos pelo interesse e não pelo sentimento".

Existindo para fazer política, a opinião pública gostaria que os políticos levassem a sério a política e não a ornamentassem com discursos folclóricos povoados com ausência de princípios.

Ora, na semana passada, Irene Neto, ao renunciar ao Parlamento, demonstrou que, estando sentimental e convictamente no MPLA, recusa, porém, ser contaminada por este último surto: a falta de princípios.

Fê-lo de forma serena, sem alaridos e sem estabelecer qualquer ruptura com o MPLA, mas, ao fazê-lo, demarcou-se do caciquismo político que anda já a fossilizar as novas gerações do seu partido.

A filha do segundo Presidente do MPLA, com a sua atitude, revelou não apenas gostar de pensar pela sua própria cabeça, como - o que é mais importante - adorar agir sem reflexos condicionados.

Irene Neto recusou, porém, socorrer-se de uma máxima de Churchill: "Há ocasiões na vida em que um homem tem de mudar de partido para não mudar de princípios".

Ao invés desta frase lapidar do grande político britânico, preferiu abraçar o que nos legou nas suas memórias o escritor francês Franz Retz:

"Muitas vezes é preciso mudar de opinião para permanecer no mesmo partido". Farta das barreiras impostas pelo "pensamento arqueológico" de um partido que afunila cada vez mais a liberdade de opinião dos seus militantes, Irene Neto não mudou, porém, de opinião.

Considerando abusiva e ofensiva a usurpação dos poderes do Parlamento, Irene Neto limitou-se a ser coerente consigo própria. Abandonando-o, fez a sua escolha e demonstrou que, afinal, "podemos e devemos ter escolhas".

Porquê? Porque terá concluído ser indigesto pertencer à bancada parlamentar de um partido- -governo do século XXI, que pensa e age pior que o mesmo partido no século XX.

Vistos ao espelho e olhando para o que era o intervencionismo crítico da bancada parlamentar do MPLA em 1992 e para o amorfismo que, capturada por outros interesses, aos poucos foi tomando conta da sua (in)acção, estes "dois partidos", que são o mesmo partido sem o serem, hoje não se (re)conhecem...

Como militante do MPLA integrada num grupo parlamentar que se transformou na manjedoura do governo, ao abandonar o rebanho, Irene Neto quis dizer claramente que a sua paciência chegou ao fim...

Uma atitude corajosa? Não. Digamos que estaremos aqui perante uma questão de respeito. Respeito que Irene Neto impôs em primeiro lugar a si própria, lembrando que, se não nos respeitamos primeiro a nós próprios, ninguém mais nos respeitará.

Digamos que estaremos aqui perante uma questão de decência política, pois, se não formos decentes perante os nossos filhos, só poderemos ser tomados como indecentes pelas outras pessoas.

Digamos finalmente que estaremos aqui perante uma questão de princípios, pois, se transigirmos na coerência, ninguém nos toma como pessoas sérias. E este é o ponto fulcral da sua tomada de decisão.

Livre das cataratas que turvam a vista da maioria dos seus colegas da bancada parlamentar, esta oftalmologista quis demonstrar que tem os olhos bem abertos e, sem ir ao otorrino, também os ouvidos bem apurados. (...)

(Pode ler a crónica semanal de Gustavo Costa na edição 470 do Novo Jornal, ou em digital, que pode pagar via Multicaixa)