Das primeiras memórias de motivação política - "Era preciso participar na luta de libertação da nossa terra" -, à actualidade nacional, sem deixar de fora a visão para o desenvolvimento do país, a entrevista de Lopo do Nascimento à televisão pública percorreu o passado, analisou o presente e projectou caminhos para o futuro de Angola.

Depois de recordar o legado do Presidente António Agostinho Neto - que considerou fundamental para travar as tentativas de dividir o país ao meio -, o antigo primeiro-ministro enalteceu a herança de José Eduardo dos Santos - resumida em três pilares: paz, reconciliação e reconstrução -, e antecipou o papel de João Lourenço, candidato do MPLA à presidência da República.

"Pertenço ao grupo de militantes que está satisfeito com esta escolha [de João Lourenço]", revelou o ex-deputado, sublinhando que o actual ministro da Defesa, "não caiu de pára-quedas no partido".

Segundo Lopo do Nascimento, o cabeça-de-lista do MPLA às próximas eleições gerais, tal como o número dois, Bornito de Sousa, devem ser reconhecidos enquanto "pessoas que fizeram a sua carreira no partido", e por isso "conhecem como a máquina funciona".

Além disso, o ex-político frisou que João Lourenço "é um camarada que não perfilha rancores, gosta de ouvir a opinião dos outros, e não é uma pessoa do tipo "quero, posso e mando"".

Para Lopo do Nascimento, o candidato à sucessão de José Eduardo dos Santos à presidência do país, deveria ocupar também a liderança do MPLA, a exemplo do que tem sido habitual na trajectória política nacional.

"Preferia que não houvesse essa bicefalia", assumiu o primeiro chefe do Governo de Angola, depois de lembrar que são poucos os dirigentes africanos que decidem deixar as funções de Presidente por livre vontade.

"Isto dá ao nosso Presidente actual uma grandeza nesta decisão que acho que é de ressaltar", assinalou o antigo deputado, insistindo nas reservas em relação à continuidade de José Eduardo dos Santos na liderança do partido no poder.

"Só acho que não será uma boa coisa se ele se mantém como presidente do MPLA, porque gera um poder bicéfalo", reforçou Lopo do Nascimento, explicando que como "o partido é que orienta", é recomendável que se assista à retirada do Chefe do Estado também dessas funções.

Ainda sobre o líder dos "Camaradas", o ex-primeiro-ministro descreveu-o como um dirigente "focado no bem-estar das pessoas" - característica que aponta como fundamental -, e integrador.

"Alguns dirigentes gostam de liquidar, matar os outros com quem não estão de acordo. Isto é uma coisa que não existe aqui em Angola", assinalou Lopo do Nascimento na grande entrevista à TPA.

Constituição desajustada, crise, políticas que não saem do papel e diversificação da economia

Apesar de reconhecer mérito a José Eduardo dos Santos, o histórico do MPLA considera que "o tipo de Constituição que temos não é a melhor opção", no que se refere às funções que dá ao Chefe de Estado, na medida em que concentra sobre a sua figura demasiadas tarefas que não lhe permitem fazer o acompanhamento adequado das medidas.

Segundo o antigo primeiro-ministro, este tem sido um dos entraves à concretização das políticas públicas, nomeadamente de combate à pobreza e desigualdades sociais.

"É preciso que as políticas se tornem exequíveis, fazendo-as, em vez de ficarem apenas como documento de trabalho", reiterou Lopo do Nascimento, sublinhando também a importância de se cumprir a meta da diversificação da economia.

"Um dos caminhos que poderíamos estar já a seguir seria o da substituição das importações, para recuperar as divisas que pagamos para exportar", apontou o ex-governante, para quem ainda "é preciso definir uma linha de orientação" neste domínio, para impedir que cada um faça o que bem entender.

"Muita coisa que foi importada está aí parada", lamentou Lopo do Nascimento, que insiste na necessidade de se traçar uma estratégia de desenvolvimento bem definida e sustentável.

"Alguns países produtores de petróleo, como foi o nosso caso, olharam a muito curto prazo para a evolução dos preços", considerou, defendendo que a crise era previsível e lembrando que é preciso monitorizar as despesas.

"Estamos agora num projecto de recuperação de estradas que foram feitas há muito pouco tempo, quer dizer que não houve controlo desses investimentos, da forma como essas estradas foram feitas", observou.

Apologista de uma maior participação das empresas angolanas no processo de reconstrução e desenvolvimento nacional, Lopo do Nascimento salienta a oportunidade criada pelo financiamento da China.

"Vinte por cento das linhas de crédito chinesas são para subcontratar empresas angolanas. Penso que é o primeiro país que faz esta abertura, então vamos começar a aprender", desafiou o também empresário, que preside ao conselho estratégico da Câmara de Comércio Angola-China.

"É preciso que as empresas angolanas, mesmo que não tenham grande experiência, entrem nesse processo e comecem a trabalhar, em vez de ir atrás da empresa chinesa e dizer "dá-me X por cento" sem participar no trabalho", reforçou o responsável.

De acordo com Lopo do Nascimento, este comportamento acabará por libertar o país da dependência de empresas estrangeiras.

"Olho para o sector da construção e praticamente só há empresas estrangeiras, enquanto as nacionais desapareceram", alertou Lopo do Nascimento, adiantando que muitas dessas firmas que encontram mercado em Angola estão falidas nos seus países de origem, como é o caso das empresas portuguesas.