Há, entretanto, uma face da moeda que é pouco analisada relativamente à actuação política durante todo o conflito que é apontado como sendo o "único" culpado pelo atraso do desenvolvimento do país. Nós particularmente discordamos "do todo" e concordamos em parte, dado que as consequências do conflito armado estão ainda hoje visíveis, desde os casos de intolerância política vergonhosamente recorrente à concentração de riqueza por parte de um número de dirigentes. Riqueza essa que é ostentada sem qualquer pudor.

Mas longe de tudo isso que tem que ver com o conflito armado e as suas consequências absurdas e nefastas para o país como um todo, há aqui um quadro estranhamente ignorado, ou nem tanto assim ignorado, que nos remete para o facto de não se discutir os "benefícios da guerra" angolana e serem apontados os que dela mais beneficiaram e porque é que se vai atribuindo recorrentemente a ela a responsabilidade de todo o mal quando houve quem dela se tivesse beneficiado. E os principais beneficiários estiveram sempre voltados para a classe política, principalmente a classe governante.

Daí que hoje nos tenha ocorrido reflectir sobre o exercício da política nos diferentes momentos da história recente do país, vindo o assunto a propósito das eleições que terão lugar em Agosto próximo e os novos beneficiários de tudo isso. E uma das primeiras questões a ser levantada tem a ver com o facto de os políticos terem sido sempre a excepção à regra em todas as frentes durante e pós-conflito armado. Foram os que mais beneficiaram com todo o conflito, sendo hoje os que mais beneficiam também em tempo de paz com a administração política.

À excepção de um ou outro caso, político nenhum angolano permitiu que o seu filho estivesse na frente da linha de combate. A maioria dos políticos optou sempre por ter os filhos longe do tracejar de balas e obuses. Estes viveram e estudaram no estrangeiro. E o que não se percebe é como foi possível mantê-los lá com o argumento de que não poderiam morrer no conflito e termos assistido a uma série de mortes de outros angolanos, provavelmente tidos pelos senhores da máquina da guerra como sendo menos angolanos na escala de importância.

A classe política não experimentou uma realidade que é hoje responsável pelo grande desnivelamento demográfico que se regista em Luanda e nas grandes capitais litorâneas do país. O fenómeno dos deslocados, por exemplo. Sempre foram as famílias mais pobres que jogaram um papel importante perante o quadro que se criou. Estamos lembrados de 1992. Inúmeras famílias que se deslocaram do Huambo, Bié e outros pontos do país em direcção a Luanda, foram sempre acolhidas por famílias humildes, gente pobre que doou o que pôde doar. Se dúvidas houver, perguntem às várias famílias da periferia luandense que assim procederam em 1992. Nós próprios somos testemunhas disso mesmo.

Ou seja, temos vindo a assistir a uma actuação política indiferente para com os governados. Há políticos que não têm vida pública. Não têm a cultura de estar próximo de quem governam. Mantêm a devida equidistância para não serem confundidos com os demais. Vivem em condições diferentes da maioria, têm guardas, subsídios disso, daquilo e daquele outro. Empregadas pagas pelo Estado, carros comprados pelo Estado, seguro de saúde, etc., etc. Temos políticos a elegerem-se com o voto popular, mas que se acham seres superiores e muito do que se passa em determinados bairros é do seu total desconhecimento.

A acção administrativa, ainda muito voltada para a lógica retrógrada político-partidária, é por si só deficiente e responsável pelo extremar de posições entre quem está na política governativa e os outros que nada têm a ver com a política activa, senão quando há a caça ao voto. É precisamente nessa fase em que os políticos, principalmente os da situação, se lembram de que existe um eleitorado carente de tudo e mais alguma coisa. É precisamente nesta fase que os políticos sentem-se (mais) humanos e tornam-se seres com alguma sensibilidade, porque lhes interessa o voto popular.

No entanto, a grande verdade é que o país refém como está de um modelo de governação exclusivamente político, não beneficia em nada quem se julgue apartidário, porque o simples facto de se ser cidadão não é garante de acesso a determinados meios, condições e serviços que a governação tem a obrigação de prover aos cidadãos angolanos.

As autarquias locais inverteriam este modelo, provavelmente, mas elas estão amarradas à vontade política que decidiu, ainda assim, implementá-la com base no princípio do gradualismo, tal como determinou a Constituição de 2010, e cuja implementação vai agora obedecer aos timings impostos por quem estiver à frente da governação nos próximos cinco anos.

Em suma, temos aqui uma actuação política arrogante, que se coloca acima de tudo e de todos, e que só se lembra que existem instituições públicas que devem estar ao serviço do cidadão nesta fase de eleições. Poucos hoje sabem - tamanha é a ignorância da maioria esmagadora da população sobre questões económicas - por que motivo é que o Estado agravou determinados impostos, alargou a tabela tributária sem nunca ter cortado na despesa do aparelho do Estado. Que é robusto. Antes pelo contrário, ao primeiro sinal da crise, cortou na Saúde e o resultado foi o descalabro do surto de febre-amarela que dizimou muitas vidas.

Os deputados, ministros, altos dirigentes partidários, empresários governantes e governantes dirigentes, continuam a viver à grande e à francesa, quando temos uma população a experimentar o sufoco da crise financeira perante um país que, desesperadamente, aposta tudo nas eleições como se os anteriores pleitos eleitorais já não nos tivessem dado conta do tipo de políticos que tem o país!

Texto publicado na edição 487 do Novo Jornal, de 16 de Junho