A escalada da tensão no Médio Oriente esteve a servir de catapulta para as últimas subidas do valor do barril de petróleo mas o desfecho que se esperava, com o ataque da madrugada de sexta-para Sábado, em vez de potenciar essa subida de forma significativa, serviu para esvaziar a tensão, tanto no terreno como nos mercados petrolíferos, onde o WTI (Texas) também resvalou de sexta-feira para ontem mas com uma pequena oscilação em alta, para os 66,58 USD por barril, mais 0,5% que na anterior sessão.

Há uma semana que o mundo aguardava pela etapa seguinte na tensão focada na Síria, devido ao alegado ataque do regime de Bashar al-Assad com armas químicas na cidade de Douma, na província de Ghouta, um dos últimos redutos das forças da oposição, um misto de grupos islâmicos radicais e rebeldes de génese política.

Esse momento surgiu com o disparo de 105 mísseis por parte dos EUA, Reino Unido e França, contra três alvos na Síria, como punição pelo uso de agentes químicos, apesar de o regime sírio e os seus aliados, a Rússia e o Irão, garantirem que tal não aconteceu e horas antes de o organismo internacional de controlo e irradicação das armas químicas, a OPCW (sigla em inglês) chegar ao local para investigar se houve ou não recurso a gás sarin e um composto tóxico à base de cloro, como alegam as potências ocidentais.

A subida de tom entre a Rússia e os EUA nos dias anteriores ao ataque resultou num aumento de mais de 10 por cento do preço do barril, tendo chegado a bater nos 73 USD no final da semana passada.

E o aumento de hoje resulta, de uma forma ou de outra, da entrevista que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, deu ontem à britânica BBC World, onde disse sem titubear que Moscovo perdeu a réstea de confiança que tinha nas potências ocidentais, EUA, Reino Unido e França, e que a situação de hoje é mais perigosa que durante a Guerra Fria, porque "actualmente as coisas são de tal foprma que nem sequer existem canais de comunicação abertos" entre os EUA, França e Reino Unido) e a Rússia

Todavia, a ausência de uma subida fulgurante no preço da matéria-prima tem razões óbvias: o contexto era marcado pelas ameaças mútuas entre EUA e Rússia, que deu lugar a uma acção conjunta dos três países mas com a particularidade e o cuidado de não fazerem vítimas e muito menos afectar a presença russa ou iraniana no terreno, que era a grande fonte de preocupação e o potencial rastilho sem recuo de uma eventual guerra implicando meios militares russos de um lado e norte-americanos do outro.

A ligeira alta no preço do barril registrada hoje é o resultado da conjugação desses dois referidos factores, o esvaziar da tensão e a constatação feita por Sergei Lavrov, sublinhando os analistas citados pelos media especializados no sector petrolífero o sinal evidente do esvaziar das tensões enfatizado pelos Presidentes Trump e Macron (França) e a primeira-ministra Theresa May, quando vieram de imediato a público garantir que a represália sobre Assad está concluída e não teria, para já, quaisquer sequelas.

No entanto, é importante ter em conta que este problema ocorre numa das regiões mais tensas do mundo, coincidindo com a região onde estão alguns dos maiores produtores de crude do mundo, com destaque para o maior produtor global, a Arábia Saudita, e que o problema está longe de estar fora das probabilidade de novas tensões e ataques, até porque o trio liderado pelos EUA já disse que pode voltar a fazê-lo em caso de novo recurso a armas químicas pelo regime de Assad.

Mas não é só o esvaziar da tensão na Síria que está a estagnar o valor da matéria-prima, é também a produção nos EUA que está a aumentar de forma ligeira mas continuada há quase um ano, contribuindo igualmente para esse equilíbrio.

Apesar deste cenário marcado por alguma contenção, hoje, nas agências de notícias globais, uma ideia marca o ritmo da informação relacionada com o sector petrolífero, que é o risco de disrupções no fornecimento de crude às grandes economias, como, por exemplo, acontece no Médio Oriente com o risco de a Arábia Saudita se ver entalada entre fogos cruzados, o risco de novas sanções dos EUA ao Irão ou ainda quebras no Iraque, Síria e restantes países produtores da vasta região devido à conflitualidade existente.

Recorde-se que a OPEP, que integra Angola entre os seus membros, tem em curso, desde Janeiro de 2017, um programa de cortes na produção de 1,8 milhões de barris por dia como forma de enxugar o mercado do seu excesso de oferta, que, depois de ter sido já prolongado por duas vezes, poderá ainda sofrer nova extensão quando chegar ao fim o actual período de controlo da produção, previsto para final de 2018.

Esta estratégia de cortes na produção da OPEP e da Rússia a lidera um grupo de outros 11 produtores não-membros do "cartel", serviu para retirar o barril do pântano em que esteve em 2016, abaixo dos 20 USD/barril, mas não conseguiu fazer com que fosse muito além dos 60, tendo as tensões no Médio Oriente, Nigéria e Venezuela servido como combustível para esta última etapa que levou o crude para cima dos 70 USD por barril.

Vantagens e desvantagens para Angola

A exploração e extracção de petróleo no Médio Oriente, onde a Arábia Saudita lidera o topo da lista não só local mas mundial dos países que mais crude extraem em todo o mundo, é substancialmente mais barata que em países como Angola ou a Venezuela, o que permite aos produtores árabes aguentar melhor as crises globais mas também atrair os investimentos das grandes multinacionais em épocas baixas, em detrimento das regiões onde a produção é mais cara.

Excepto se as crises forem dentro das fronteiras do próprio Médio Oriente, onde aquilo que são vantagens, como o Novo Jornal Online explicava a 17 de Março, se podem transformar em desvantagens e as desvantagens para países como Angola passam num piscar de olhos a vantagens competitivas.

Para já, Angola e a Venezuela são as duas grandes vítimas, mesmo que o objectivo não fosse esse, das políticas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), à qual Angola aderiu em 2007, especialmente devido à sua política, determinada pela Arábia Saudita, de "extrair à vontade e em força" nos meses anteriores à crise de 2014.

Se Riade optou por esta política de "pump at will" para lidar com o agigantar da produção do petróleo de xisto, ou "fracking" norte-americano, para cuja indústria só faz sentido se o barril estiver acima dos 65/70 USD, devido ao seu elevado "breakeven", a verdade é que, no médio e longo termo, como agora se está a verificar, entre as vítimas desta estratégia está Angola... e em lugar de destaque.

No médio e longo prazo, o país vai sofrer severas consequências dos vários anos a fio de preços baixos ou moderados porque isso induziu claramente a um desinvestimento no sector e à deterioração natural dos equipamentos, exigindo agora não só tempo, que podem ser anos, mas também um forte investimento que as multinacionais podem não estar disponível a fazer porque têm como alternativa mais barata o Médio Oriente, onde é mais rápido e fácil recuperar o dinheiro.

A opinião e as contas das petrolíferas podem mudar e as suas atenções voltarem a focar-se em Angola se as coisas aquecerem mesmo no Médio Oriente e a produção dos gigantes locais, como o Irão, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos ou o Iraque, forem severamente atingidos.