Pouco antes das 09:00 de hoje, o barril de crude em Londres estava a valer 70,60 dólares, o que significa que desde meados de Novembro do ano passado que as cargas exportadas por Angola não valiam tanto, e, para mais, quase 3 USD acima do valor com que o Governo fez aprovar o seu Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2019.

Este valor, se se mantiver, e, ao que tudo indica, prolongar-se-á no tempo, poderá fazer com o Executivo de João Lourenço reveja de novo as suas intenções de proceder a uma revisão do Orçamento Geral do Estado, que, como o ministro das Finanças, Archer Mangueira, deixou perceber há algumas semanas, estava previsto ocorrer este mês de Abril.

E o tal "fantasma" que esta a assombrar os ecrãs dos analistas dos mercados internacionais, onde o mundo transacciona diariamente mais de 90 milhões de barris de petróleo, pode muito bem ser um impulso extra para garantir que o valor se mantém acima dos 70 USD, ou então alimentará o efeito contrário.

Para já, sabe-se, como alguns analistas ouvidos pela Reuters e pela Bloomberg colocam como garantido, são os cortes - 1,2 milhões de barris por dia (mbpd) - definidos no início do ano pela OPEP e pelos seus aliados, com a Rússia, em destaque, que se juntaram de forma ad hoc na plataforma OPEP+, bem como as sanções crescentes dos EUA contra a Venezuela e o Irão, que afectam directamente a produção de dois gigantes mundiais do petróleo, a 2ª e a 3ª maiores reservas mundiais de "ouro negro", que estão a impulsionar o valor do barril para patamares que já não se viam desde Novembro de 2018.

Mas não é só: os combates violentos à porta de Tripoli, na Líbia - o 3º maior produtor africano em potencial e as maiores reservas do continente - entre rebeldes e as forças de segurança governamentais, ou os bons indicadores sobre o desempenho da economia dos EUA, como é disso exemplo a descida significativa do desemprego, também estão a interferir directamente neste recente boom no preço do crude.

Mas o "fantasma" está à espreita e...

Estas boas notícias podem, de um momento para o outro, esboroar-se por duas razões principais: a Rússia tem mostrado, ultimamente, uma inclinação para discordar de um prolongamento dos cortes na produção da OPEP+, que estão garantidos apenas até Junho, e aumentar em breve a sua produção, e também a reforçada ameaça dos EUA em sancionar os países e as suas empresas que estão na génese da estratégia do "cartel" em manter os cortes para garantir a estabilização dos preços na casa dos 70 USD por barril, no que diz respeito ao Brent.

O Congresso norte-americano tem em cima da mesa, há mais de um ano, um projecto de lei que permite ao Departamento de Justiça accionar os tribunais contra os interesses dos países da OPEP+ nos EUA, incluindo as suas principais empresas, sob acusação de manipulação artificial dos mercados petrolíferos, retirando-lhes imunidade, o que, numa interpretação lata, pode permitir congelar bens dos países em causa ou das suas empresas, incluindo investimentos directos no sistema financeiro norte-americano, entre outras punições..

O objectivo é partir o elo que une os países em questão, com a Arábia Saudita na linha da frente, mas também os restantes membros da OPEP, entre estes está Angola, e da OPEP+, como a Rússia ou o Cazaquistão, o México...

Sabe-se que o Presidente Donald Trump é um acérrimo defensor de petróleo barato para garantir a motorização da sua economia, em determinados sectores ainda antiquada e fortemente dependente do petróleo, mas, essencialmente, para satisfazer a linha dura dos seus votantes tradicionais para quem nada há de mais significativo que garantir gasolina barata para meterem nos seus carros pouco ou nada económicos e de grande cilindrada.

Mas há riscos a que nem Trump pode deixar de dar a devida atenção. E uma das mais sérias ameaças foi já feita, segundo as agências de notícias e os sites especializados, pela Arábia Saudita, que, de certa forma, vem juntar a sua voz a outras que já procuraram exercer o mesmo tipo de pressão, como em tempos o Iraque de Sadam Hussein, o Irão, ou, mais recentemente, a Venezuela, de Nicolás Maduro: começar a vender petróleo noutras moedas, como o Renmimbi chinês ou a moeda única europeia, o Euro.

Se a Arábia Saudita, o maior produtor mundial - apenas circunstancialmente ultrapassado pelos EUA nos últimos meses devido ao esforço de aumento da produção da indústria norte-americana para contrapor aos cortes da OPEP+ - começar, de facto, a vender o seu crude em renmimbis ou euros, isso poderá ser o mais duro golpe de sempre no dólar norte-americano e, por conseguinte, na própria economia dos EUA.

Este "fantasma", que os sauditas estão a usar para assustar os EUA e o mundo, se passa-se de figura espectral a instrumento físico, teria repercussões que ninguém se atreve a mensurar por antecipação.

Como se sabe, o dólar dos EUA é claramente a moeda franca mundial nas transacções petrolíferas, sendo este um garante do domínio absoluto da moeda norte-americana no sistema financeiro global, o que proporciona igual domínio de Washington sobre a economia global e mantém a sua palavra com cimeira importância nos organismos directamente globalizantes dos sistemas económicos e financeiros, como o FMI ou o Banco Mundial, sediados em Bretton Woods.

Uma das consequências directas seria o enfraquecimento do poder sancionatório de Washington, porque o poder emanado das sanções ou das ameaças de sanções advém directamente do seu domínio global proporcionado pelo facto de a sua moeda, o dólar, ser o mais eficaz instrumento de domínio da finança planetária.

Em síntese, o que as fontes ligadas ao sistema de poder da monarquia saudita referem, citadas pela Reuters, é que se os EUA fizerem passar a lei que abre as portas para a perseguição judicial aos interesses dos países da OPEP+ nos EUA, será a economia e o poder global que Washington esgrime sobre o mundo via sistema financeiro que começarão a ruir de um dia para o outro.

Para isso, bastaria que o petróleo saudita, a que facilmente se seguiria o iraniano, o venezuelano e, provavelmente, o mexicano, devido à crise migratória entre os dois países - recorde-se a polémica em torno do mudo que Trump quer erguer na fronteira sul, com o México -, começa-se a ser vendido em euros ou em renminbis.

Uma lâmina de dois gumes

No entanto, esta lei, denominada, na sigla em inglês, NOPEC, tem sido sucessivamente adiada no caminho para votação, por ser uma espécie de bomba atómica, tendo os estrategas de Washington optado pelo exercício de outro tipo de pressão, como foi o caso recente. de meados do ano passado, quando Trump chantageou directamente o regime saudita por existir, segundo um documento elaborado pela CIA e revelado pelo Washington Post, uma ligação entre o assassínio do jornalista Jamal Kashoggi e o príncipe herdeiro de Riade, bin Salman.

Depois da morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado saudita de Istambul, na Turquia, depressa foram estabelecidos links entre a Casa Saudi e o comando que executou o reporter, um crítico do regime saudita, que trabalhava no Washington Post.

Foi isso que permitiu a Trump exigir, em troco de manter a situação controlada, que os sauditas aumentassem em mais de 1 mbpd a sua produção, tendo esse movimento provocado uma forte derrocada no valor do barril.

Derrocada essa que esteve por detrás da necessidade sentida pelo Governo angolano em rever o seu OGE para 2019, que tinha sido elaborado com o barril nos 68 USD, quando este, devido a essa inusitada injecção de petróleo nos mercados, desceu para menos de 50 dólares.

Agora, com a ameaça saudita em cima da mesa, países como a China, que tem inclusive um novo sistema de transacção de crude em moeda chinesa com sede em Shgangai para rivalizar com o dólar, a Rússia, o Irão, a Venezuela e, como lembram alguns analistas, até a União Europeia, poderão aproveitar para pressionar uma diminuição do domínio do USD que, a acontecer, a todos eles beneficiaria.

Benefício esse que seria, no imediato, económico, mas, no médio e longo prazo, e talvez o mais importante, permitiria a estes países livrarem-se das ameaças permanentes das sanções de Washington e da facilidade com que os sucessivos Presidentes norte-americanos pressionam os seus pares no sentido que mais lhes interessa.