Com o Brent de Londres a vender hoje, na abertura, o barril por pouco mais de 73 dólares (73,04 USD), embora iniciando a seguir uma ligeira subida, o petróleo exportado por Angola está a assistir a uma queda nos últimos dias que já não conhecia há vários anos, perdendo mais de 2 USD desde 30 de Abril, quando esteve a bater nos 75 USD por barril.

Esta queda resulta de diversos factores, com destaque para o aumento da produção nos EUA, que já ultrapassou os 10,6 milhões de barris por dia (mbpd), deixando mesmo para trás o maior produtor do mundo durante as últimas décadas, a Arábia Saudita.

No entanto, é a Rússia e não os EUA quem lidera actualmente a lista dos maiores produtores, com mais de 11 mbpd, remetendo a Arábia Saudita para o 3º lugar, por causa do programa de cortes que a Organização de Países Produtores de Petróleo (OPEP) iniciou em Janeiro de 2017, com a intenção de baixar o excesso de oferta nos mercados, tendo Angola, enquanto membro, contribuído com uma redução de 78 mil bpd na sua produção.

Com a retirada de 1,8 mbpd do fornecimento global a 01 de Janeiro de 2017, estimado na altura em pouco mais de 93 mil milhões de barris por dia, a OPEP e os seus associados nesta estratégia, os 11 não-membros do cartel liderados pela Rússia, conseguiram inverter a queda brutal do preço do barril que, em Fevereiro do ano anterior, 2016, tinha afundado até aos 29 USD por barril.

Com oscilações para cima e para baixo mas sempre numa linha ascendente, o barril atingiu em Abril deste ano a linha dos 75 USD por barril, um valor ainda longe dos 147 USD de Julho de 2008 mas muito próximo daquilo que a própria OPEP não pretende ver ultrapassado para não criar uma "auto-estrada" livre para a produção do chamado "fracking" norte-amerciano, ou petróleo de xisto, que consiste na injecção de água e químicos a altas pressões em profundidade no solo para extrair desta rocha petróleo e gás natural.

Isto, porque esta técnica só é rentável para os produtores a partir dos 70/75 USD por barril devido aos elevados custos de produção mas que, atingindo o "breakeven", faz despoletar um sector que pode introduzir milhares de barris extra nos mercados e, assim, desvitalizar a estratégia da OPEP.

E é isso, em parte, que está a permitir aos EUA aumentar substancialmente a sua produção, bem como as suas reservas que, segundo a autoridade administrativa para o sector dos EUA, a EIA, estão igualmente a subir, atingindo já os 435,96 milhões de barris, aumentando 6,2 milhões na última semana de Abril, quando nos períodos antecedentes estas reservas estavam a cair na ordem dos 4 a 6 milhões de barris por semana.

O equilíbrio actual é dominado por quatro factores essenciais, como têm repetido os analistas citados pelas publicações especializadas, que são o plano de cortes da OPEP, as crises no Médio Oriente, actualmente com foco na ameaça de Donald Trump em destruir o acordo sobre o programa nuclear do Irão, a oportunidade que está a ser aproveitada pelos Estados Unidos com os preços em alta para elevar a sua produção e o bom desempenho da economia global que está a elevar a procura pela matéria-prima.

Para Angola, ver o gráfico dos preços do crude nos mercados a subir é o que mais jeito dá, sendo óbvia a folga que os actuais valores, 73 USD, concedem ao Governo, que tem o seu OGE sustentado na valorização do barril em 50 USD.

Mas este caminho pode ser uma lâmina de dois gumes, porque, se por um lado, quanto mais caro, mais dinheiro entra nos cofres do país, é igualmente certo que quanto mais alto, maior a pressão global para as grandes economias consumidoras, como as europeias, chinesa ou indiana, apostarem nas energias alternativas, desvitalizando, no médio prazo, a importância do petróleo.

A ameaça das... alternativas

Apesar de os últimos meses serem de modo a levar os mais distraídos a pensar o contrário, devido à subida significativa do valor do barril do petróleo, a verdade é que a realidade das energias alternativas e dos carros, aviões e navios a caminho da hibridização ou total reconversão para a electricidade, são a sentença de morte, a prazo, para o crude enquanto principal fonte de energia global.

E mesmo nos plásticos, não são poucos os casos em que fica provada a sua contribuição nefasta para a o meio ambiente, gerando, igualmente, fortes pressões para a sua substituição por materiais produzido sem recurso aos hidrocarbonetos.

Os números ainda são avassaladores para que o petróleo possa ser condenado ao ostracismo no virar da esquina mais próxima do tempo, como o indica, por exemplo, a duplicação anual, nos últimos anos, dos gigantescos navios de cruzeiro turístico, as bestas consumidoras de fuel da actualidade, ou ainda o aumento brutal de aviões a atravessar os céus actualmente.

Mas o reverso da medalha está já à vista dos menos distraídos. É crescente o número de países que estabeleceram "deadlines" para o fim dos carros a gasóleo e a gasolina a circular nas suas estradas, como é o caso, até 2014 - daqui a 22 anos - no Reino Unido e em França, ou ainda com metas igualmente apertadas nesta matéria, Dinamarca, Japão, Coreia do Sul, Holanda, Portugal e Espanha.

Na Alemanha, por exemplo, acaba de ser aprovada legislação que permite aos estados proibirem os carros a gasóleo de entrar nas cidades devido à poluição e à crescente reacção negativa das populações aos emissores de poluentes com efeito de estufa devido ao alerta generalizado lançado pela comunidade científica para os impactos nefastos do aquecimento global.

Estão ainda cada vez mais países representados no "mapa mundi" da substituição do petróleo e do carvão na produção de energia, como os Estados Unidos, que, com a administração Trump, mantêm uma inexplicável resiliência na hibridização dos carros, mas a dar sinais vigorosos de aposta nas energias renováveis, como a solar e a eólica, para substituir as centrais a combustíveis fósseis que ainda alimentam muita da electricidade consumida nas cidades.

Uma das certezas plasmadas em cada vez maior número de estudos é que o avanço da tecnologia na produção de energias alternativas têm um carácter exponencial, ou seja, aquilo que é a realidade de hoje, comparado com a evolução registada nos últimos 10 anos, será irrisória face ao que vai suceder nos próximos 10 anos.

Tudo isto embalado por uma igualmente exponencial maior sensibilidade social para os efeitos dos gases com efeito de estufa à medida que vão sendo mais notórios os seus efeitos nas profundas alterações climáticas que o planeta está a viver, secas prolongadas - veja-se este exemplo na África Austral - em vastas regiões do globo, ou inundações nunca vistas.

Um exemplo: as temperaturas no Circulo Polar Árctico actuais estão 20º acima do normal para a época, o que revela de forma clara o efeito dos gases com efeito de estufa nas alterações climáticas registadas pela comunidade científica.

A liderança chinesa

Mas há mais. A China ocupa actualmente a dianteira mundial no número de veículos híbridos - que utilizam motor de combustão e eléctrico ao mesmo tempo - vendidos, mais de 600 mil em 2017, o que corresponde a um aumento superior a 70 por cento em relação a 2016, configurando a aposta das autoridades de Pequim no combate por esta via à poluição nas suas principais cidades, ao mesmo tempo que decresce paulatinamente, mas de forma inexorável, a necessidade do país de importação de petróleo, onde Angola aparece como um dos seus principais fornecedores.

Mas também nos aviões começam a surgir novidades. Por exemplo, a Noruega já tem em curso um projecto para que as viagens inferiores a duas horas sejam feitas em aeronaves propulsionadas por motores eléctricos, podendo isso suceder já a partir de 2025, e uma subsidiária da Boeing, a Zunum Aero, prevê colocar no mercado o primeiro avião com estas características já em 2022, como aponta o site "The Conversation", notando ainda que a Airbus, a Rolls Royce e a Siemens preparam-se para lançar em 2020 um modelo híbrido de avião.

Mas onde esta reconversão das motorizações dos combustíveis fósseis para a electrificação terá maior impacto é nos grandes navios, sejam eles cargueiros ou de cruzeiro turístico, para reduzir a dependência de gasóleo e de outros combustíveis pesados.

Um dos casos bem sucedidos é o de um novo navio de cruzeiro construído em França para um operador italiano, MSC Cruises, o MSC Meraviglia, com capacidade para 4 500 passageiros, lançado já em 2015, mas com uma completa inovação na poupança de energia, gastando menos 20 por cento que os seu pares dos mares, recorrendo também a um sistema hibrido.

O "The Conversation" dá um exemplo de como este processo é irreversível. O YARA International, um grupo norueguês ligado ao sector dos produtos químicos está prestes a colocar na água um navio de transporte totalmente eléctrico, com zero emissões de carbono.

Et tu, Brute?

A própria Arábia Saudita, o maior produtor mundial de crude, tem em curso um plano de investimento nas energias renováveis de 7 mil milhões de dólares, para produzir 4 000 MW de energia renovável, sendo o objectivo global os 9 500 MW, mais de 10 por cento das suas necessidades actuais, até 2023.

Como se pode ler nos estudos que foram parcialmente divulgados pela imprensa a propósito deste esforço saudita em diminuir a dependência do petróleo na produção de energia, por detrás, para além da decisão do país em partilhar do esforço internacional nesse sentido, está a consciência de que existe um limite, cada vez mais apertado no tempo, para que o petróleo seja destronado do seu posto de fonte de energia número 1 no mundo.

E, com isso, face a esta caminhada das energias renováveis, o valor do crude nos mercados deverá iniciar uma fase descendente, obrigando os países com economias dependentes desta matéria-prima a reforçarem os investimentos na diversificação das suas economias, como é claramente o caso de Angola, onde o petróleo representa 95 por cento das suas exportações.

E os mais recentes estudos apontam para 2030, dentro de escassos 12 anos, como o ano em que essa viragem se tornará não só evidente mas com uma aceleração que dificilmente poderá ser apercebida nos dias de hoje.

Perante este cenário, uma certeza se começa a impor: quem ficar para trás, pagará o preço da inacção.