O momento que define o ponto de partida para que o "monstro" das águas profundas angolanas inicie a produção a todo o gás é marcado pela entrada em funcionamento da segunda unidade flutuante de produção e armazenamento (FPSO), a Kaombo Sul, anunciada em comunicado pela Sonangol E.P.

Isto acontece oito meses depois de ter sido iniciada, através do FPSO Kaombo Norte, a extracção neste proiecto, que fica a 260 km"s offshore da costa da zona centro-norte de Angola, com a infra-estrutura global de produção a ultrapassar os 2.000 metros de profundidade.

Cada uma das duas FPSO, em tudo semelhantes, tem capacidade para gerar diariamente 115 mil barris de petróleo, perfazendo 230 mil a cada 24 horas, o que corresponde a cerca de 17 por cento do global produzido no país, que ronda os 1,4 milhões de barris por dia, estando ainda previsto o envio do gás resultante da extracção para o projecto de gás natural LNG do Soyo.

Este projecto tem como gestora líder a francesa Total, com uma participação de 30 por cento, sendo a Sonangol P&P, com quota idêntica, e ainda a Sonangol Sinopec International, que detém 20 por cento, a Esso Exploração e Produção Angola (Overseas) Limited, 15 por cento, e a Galp Energia Overseas Block BV 32, com 5 por cento.

Kaombo, o "monstro" que gera esperança

O projecto Kaombo é encarado no meio petrolífero angolano, admitia ao NJOnline, em Abril do ano passado, uma fonte ligada ao sector petrolífero, o investimento que pode marcar o fim do declínio da indústria petrolífera angolana e o retomar do investimento das multinacionais no offshore nacional, depois de um generalizado abandono provocado pela abrupta queda do valor do crude a partir de meados de 2014, o que gerou uma das mais graves crises económicas no país desde a sua independência e que ainda se sente de forma severa.

Já não é segredo para ninguém que, com os preços a cair continuamente, as multinacionais foram desinvestindo nos últimos anos a ponto de a Agência Internacional de Energia (AIE) ter divulgado em Março de 2018 um relatório que prevê uma queda da produção média dos faiscantes 1,8 milhões de barris por dia (mbpd) entre 2008 e 2015 para pouco mais de 1,2 mbpd nos próximos cinco anos, até 2023.

Isto, porque, explica a AIE, o desinvestimento nas infra-estruturas por parte das grandes empresas, em resultado dos baixos preços, com o inerente desmantelar dos equipamentos, ou a sua colocação em "stand by", pode ser feito com alguma celeridade, mas para reatar a normalidade na produção, podem ser necessários anos, devido à complexidade de toda a infra-estrutura petrolífera offshore.

Nos últimos quatro anos, o sector petrolífero angolano desceu montanha abaixo, da euforia dos mais de 100 USD em 2014 por barril à depressão dos 30 de 2016, estando agora a recuperar a olhos vistos - hoje, o Brent de Londres, que serve de referência às vendas angolanas, abriu a roçar os 70 USD por barril - mas ainda longe dos tempos em que Angola surgiu aos olhos do mundo como o novo "el dorado", em 2008, quando, por cada barril, os mercados chegaram a pagar 147 dólares, em Julho desse ano.

Kaombo, "l"espoir"

É face a este cenário deprimente para a indústria petrolífera angolana e para a economia nacional, que tem no crude, ainda, o responsável por cerca de 95 por cento do total das suas exportações, continuando uma economia claramente petrodependente, que o projecto Kaombo é visto como a esperança de que venha a constituir um ponto de viragem e o regresso de Angola aos bons velhos tempos.

Para já, como a multinacional acaba de divulgar, o segundo dos dois navios-plataforma, do género FPSO, que agrega à capacidade de extracção, a de armazenamento e distribuição para terceiros, iniciou a produção hoje no Kaombo, onde se perspectiva que a produção atinja rapidamente os 230 mil barris por dia, em plena produção.

A companhia francesa vê a sua produção global de petróleo e gás natural aumentar cerca de 12 por cento com o projecto Kaombo a funcionar em pleno.

Kaombo por dentro

Kaombo é um enorme projecto lançado em 2014 pela Total, o primeiro em águas ultra profundas do Bloco 32, que se estende por mais de 800 quilómetros quadrados ao largo da bacia do Kwanza, e é ligado por cabos e pipelines submergidos com mais de 300 kms entre as duas FPSO.

A operadora do projecto estima que dele venham a ser retirados, ao longos dos próximos anos, mais de 650 milhões de barris, que estão depositados a profundidas enormes, em alguns locais superiores a 2.000 metros.

No global, Kaombo conta com seis campos de exploração e quando foi anunciado, em 2014, a Total estimava conseguir o "first oil", ou o primeiro petróleo dali extraído, em 2017, mas a queda abrupta do valor do barril nos mercados internacionais - chegou mesmo abaixo dos 30 USD em Fevereiro de 2016 - levou a companhia a protelar esse momento.

Foi o acordo da OPEP com outros países, como a Rússia, com o objectivo de estabilizar e fazer subir os preços, através de um corte diário na produção de 1,8 mbpd, em finais de 2016, com que proporcionou razões para a Total voltar a acelerar as coisas, com base na subida do valor da matéria-prima, chegando a quase triplicar o preço do barril do início de 2016 para o início de 2018, estando agora próximo dos 70, valor igualmente considerado aceitável para as multinacionais do sector.

O investimento global previsto para este projecto é de 3 mil milhões de dólares, contabilizando já a novidade que foi o facto de a Total, contrariamente ao que sucedia até aqui, ter apostado na transformação de outros navios, petroleiros, em navios-plataforma (FPSO), como é o caso dos dois que vão operar no Kaombo, o Kaombo Norte, a operar já há oito meses, e o Kaombo Sul, que hoje deverá provar o seu "first oil".

Kaombo Sul chega na hora "H"

O Kaombo Sul começa a operar num momento em que o mercado global de crude inicia uma nova escalada com, entre uma das principais razões, o facto de o Presidente dos EUA, Donald Trump estar a perder fulgor na guerra que declarou à Organização de Países Exportadores de Petróleo e seus aliados (OPEP+) para esmagar os preços na produção.

E uma das primeiras consequências é o barril de petróleo estar a subir de forma acentuada no Brent de Londres, onde Angola vê reflectido o valor médio das suas exportações.

O barril de Brent estava hoje a valer 69,13 dólares perto das 09:00 em Londres - a mesma hora em Luanda -, ultrapassando já claramente os 68 USD que o Governo usou como referência quando elaborou o Orçamento Geral do Estado (OGE 2019) e, segundo reputados analistas, tudo indica que vá continuar a subir nos próximos dias e semanas.

O Governo de João Lourenço, nos últimos meses, tremeu com o barril a descer para baixo dos 50 USD, precipitando uma revisão do OGE anunciada para este mês pelo ministro das Finanças, Archer Mangueira, mas agora começa a respirar melhor, tendo em conta que o petróleo ainda representa mais de 95% do valor global das exportações nacionais.

Por detrás desta reviravolta no comportamento do crude nos mercados internacionais estão diversos factores, sobejamente conhecidos, como a diminuição do vigor na guerra comercial travada entre a China e os Estados Unidos da América, os cortes na produção retomados em força pela Arábia Saudita, a crise estrutural na Venezuela, as sanções de Washington ao Irão, e um menos mediatizado, até agora: Donald Trump está a perder a guerra que declarou à OPEP para pressionar o preço do petróleo para baixo.

O Presidente norte-americano anda, praticamente desde que chegou à Casa Branca, há mais de dois anos, a engrossar o tom de voz contra os membros da OPEP e, agora, da OPEP+, sigla que emergiu da associação de países como a Rússia ou o Cazaquistão aos esforços do "cartel" para equilibrar o mercado em alta, ameaçando mesmo com a criação de legislação específica para os sancionar se não aceitarem as suas exigências.

Dessa legislação, que os sites especializados admitem como sendo efectivamente um instrumento de pressão de legalidade duvidosa, faz parte a possibilidade de perseguição judicial nos EUA aos países em questão, com sanções económicas, perseguição às empresas desses Estados presentes na economia norte-americana, apreensão de bens financeiros, etc.

Ou ainda a chantagem, após a polémica morte do jornalista Jamal Khashoggi, que em Julho de 2018 permitiu obrigar a Arábia Saudita a injectar mais 1 milhão de barris por dia (mbpd) contrariando o que este país tinha acordado com os seus sócios da OPEP+.

Mas, depois de Riade ter recuperado do caso Khashoggi, é a vez de a OPEP+, no seu conjunto, começar a encostar Trump às cordas, apesar de este continuar a ameaçar os países produtores no Twitter.

De fato, se até aqui a OPEP e a OPEP+ pareciam ressentir-se das ameaças de Donald Trump, actualmente começa a não ser bem assim, como recorda Cyril Widdershoven, um experiente analista dos mercados no oilprice, o que acaba por ser demonstrado com o facto de os dois gigantes da OPEP+, Arábia Saudita e Rússia resp9onderem com um ensurdecedor silêncios aos sonoros tweets do Presidente dos EUA.

Mas isso parece não ser, sequer, o mais importante, como adianta ainda Widdershoven, sendo-o, isso sim, o facto de os mercados, que até aqui reagiam mal, ou seja, com baixas no valor do barril a cada um dos tweets de Trump, mas agora parecem ignorar por completo essas ameaças e avisos, o que significa que "a retórica anti-OPEP de Trump está a perder importância e impacto".

Fracking está a partir

Outra situação que está a surgir como contratempo para os esforços gigantescos de Trump no sentido de garantir que o barril de crude não ultrapassa aquilo que lhe é atribuído como máximo aceitável, os 65 USD, é que o denominado petróleo alternativo, ou petróleo de xisto, o altamente polémico e poluente fracking, está igualmente a perder viço, porque está a ser rejeitado por muitas refinarias asiáticas devido à sua qualidade duvidosa e ainda a problemas de contaminação.

Este tipo de petróleo, cujo breakeven elevado delimita muito o intervalo em que é rentável a sua extracção - entre 65 e 70 USD -, é a grande arma dos EUA para combater a hegemonia global da OPEP+, até porque o potencial da produção tradicional, offshore e onshore dos EUA já foi alcançado, segundo alguns experimentados analistas.

A Agência Internacional de Energia (AIE) veio, a confirmar esta tendência, dizer que o volume de petróleo de xisto dos EUA para este ano vai ser bastante inferior ao que estava previsto, tendo igualmente a mais importante casa financeira, a Goldman Sachs informado os seus clientes de que o crescimento do fracking vai ser menor que o que era esperado.

Face a este cenário, nos mercados petrolíferos, a reacção de Trump a esta nova fase da batalha entre os interesses da economia americana, muito dependente ainda dos combustíveis fósseis, e dos consumidores norte-americanos, que exigem ao seu Governo gasolina barata, e os interesses dos países produtores, como a Arábia saudita, a atravessar uma grave crise orçamental, é um dos elementos que despertam maior interesse.

Ou seja, os mercados estão á espera do próximo tweet de Donald Trump.