De um lado Carlos Saturnino ataca os gastos excessivos em consultoria, do outro Isabel dos Santos destaca a poupança obtida nessa área. Enquanto o gestor denuncia um "caixa 2" para esconder processamentos de salários milionários, a empresária assinala os esforços de introdução de um sistema de pagamentos "totalmente transparente e auditável".

O desencontro de posições entre o actual e a anterior presidente do Conselho de Administração (PCA) da Sonangol sobre as contas da petrolífera nacional tornou-se de tal forma acentuado que promete resolver-se na Justiça, com a gestora a revelar, em entrevista ao jornal português Negócios, publicada hoje, que vai avançar com uma queixa-crime contra o novo PCA, desfecho que ontem tinha ficado implícito.

"Acusações graves, caluniosas da Administração da Sonangol não vão ficar impunes", garantiu a empresária no Twitter, uma das redes sociais que utilizou para rebater as acusações de gestão danosa que lhe foram dirigidas na conferência de imprensa da petrolífera nacional, realizada na passada quarta-feira, 28 de Fevereiro.

"Sem medo" e com "consciência tranquila", a bilionária partilhou com os internautas um extenso comunicado, em resposta às suspeitas lançadas por Carlos Saturnino contra a sua liderança.

Na mensagem, divulgada ontem à noite após algum suspense, Isabel dos Santos acusa o seu sucessor de "fabricar mentiras" e "manipular factos".

Por exemplo, aponta a ex-PCA, "é falso, difamatório e calunioso", afirmar que cada membro do anterior Conselho de Administração recebeu 145 salários pelos 17,5 meses que esteve em funções.

"Mais grave é a forma enganadora de apresentar os "factos" de "8 colaboradores dos Órgãos Sociais terem um processamento de 145 meses de salário, ou seja uma remuneração 8,9 Milhões USD", lê-se no comunicado, assinado por Isabel dos Santos.

Reiterando que "cada administrador recebeu apenas 18 meses de salários referentes aos meses trabalhados", a antiga presidente da Sonangol acrescentou que essas remunerações foram pagas em Kwanzas "e não em dólares como afirmado pelo Sr. Carlos Saturnino".

Ainda no capítulo do Recursos Humanos, a gestora defende que "é uma aberração afirmar que uma transacção financeira ou pagamento que está registado em SAP está escondida", conforme declarou Saturnino.

"Se a nova administração viu estes registos de pagamentos de salários no SAP, que é o computador que faz o registo da contabilidade da empresa, quer dizer de facto que nada estava escondido, e pelo contrário, que estavam sim registados todos os pagamentos de salários", nota a bilionária, explicando que a sua gestão avançou com o "processo de normalização e controlo do sistema SAP que era vital implementar", para adequação às boas práticas internacionais.

"O Sistema SAP é totalmente transparente, e auditável, e todos os registos e transacções estão refletidos na contabilidade. A referência à existência "caixa 2" é falaciosa", reforçou a empresária.

Perante estes dados, Isabel dos Santos convida Carlos Saturnino "a produzir a prova documentada sobre o que afirmou", já que "tem todos os acessos ao sistema contabilístico SAP, e às fichas de pagamento de salários efectuados na Sonangol".

Se o PCA da petrolífera nacional não conseguir comprovar as alegações, a sua antecessora desafia-o a "pôr o cargo a disposição".

Empresária desmente transferência pós-exoneração

Para além de assinalar as "mentiras" do seu sucessor, a gestora acusa-o de não honrar os compromissos. "Por cláusula de não-concorrência, contratualmente a Sonangol deve continuar a remunerar durante dois anos os salários dos administradores após cessarem as funções, e isto não está a ser cumprido pelo actual Conselho de Administração da Sonangol", nota a empresária.

Quanto à "insinuação de gastos excedentários e esbanjamento em consultores", Isabel dos Santos garante que a sua presidência foi a que menos despendeu nos últimos cinco anos.

"Em 2014 a Sonangol gastou 254 milhões de dólares com consultoria, em 2015 115 milhões, em 2016 79,7 milhões e em 2017 90,5 milhões", contabiliza a ex-PCA, classificando de infundadas as suspeitas de favorecimento dos seus investimentos privados na negociação dos contratos da petrolífera.

Em causa está, por exemplo, a escolha do BIC - instituição na qual a empresária detém uma participação - como "um dos bancos preferenciais a nível da Sonangol".

Segundo Isabel dos Santos, o anterior Conselho de Administração estabeleceu relações comerciais com vários novos bancos nacionais e estrangeiros, e não apenas com o BFA, BIC e EuroBic, nos quais é accionista.

"Foram abertas novas contas no Bank of America Merrill Lynch e no Millennium BCP, e foi com Merryl Lynch, AfriExem Bank, ICBC, e Standard Chartered Bank, os bancos internacionais com os quais mais trabalhamos", assinala a gestora, alertando para a necessidade de diversificação do risco.

"Em Junho de 2016, deparamo-nos com situações chocantes e preocupantes: a Sonangol mantinha 80% dos seus depósitos em KZ e USD num só banco, no banco BAI", recorda a empresária, acrescentando que "as boas práticas de gestão ditam que não é prudente guardar 80% dos depósitos de uma empresa num único banco, pois é arriscado em caso de falência, ou incumprimento deste banco".

Os desmentidos de Isabel dos Santos incidem também sobre os movimentos financeiros alegadamente realizados pela sua equipa, já depois da exoneração.

"Tomámos posse no dia 16 de Novembro de 2017 e nesse dia, à noite, apercebemo-nos que o administrador que cuidava das finanças na Sonangol, embora tivesse sido exonerado no dia 15, ordenou uma transferência no valor de 38 milhões de dólares para a Matter Business Solution, com sede no Dubai", acusou Carlos Saturnino.

Para além da transferência de 38 milhões de dólares, o gestor avançou que "no dia 17 de Novembro houve o pagamento de mais quatro facturas também", operações que a sua antecessora desmente.

"A nomeação do novo Conselho de Administração aconteceu a 16 de Novembro de 2017, tendo as reuniões de passagem de pasta começado nesse dia. Não existem instruções de pagamentos, ou outras instruções com data posterior a 15 de Novembro de 2017", garante Isabel dos Santos.

A antiga PCA esclarece ainda que os milhões de dólares mencionados referem-se a "pagamentos totalmente legítimos de facturas emitidas, relativas ao trabalho efetivamente realizado, e prestados por vários consultores subcontratados no âmbito dos trabalhos do Projeto de Reestruturação da Sonangol".

No caso dos 38 milhões de dólares, a empresária explica que estão contabilizados como parte dos 90,5 milhões de dólares fixados como custo de consultoria para 2017.

"O problema da Sonangol não é e nunca foi Isabel dos Santos, mas sim a irresponsabilidade da gestão e das entidades que beneficiaram de contratos leoninos e ganharam milhões, e hoje esperam poder continuar a gozar e viver desta prevaricação", conclui a gestora.