Sem sentido nenhum, sem um mínimo de bom senso, recusando, à partida, uma realidade cultural, climatérica e arquitectónica que é em absoluto nossa e não deve ser motivo de cópias no mínimo ridículas do que se faz na Europa ou nas Américas.

Destruir ou vender, oferecer ou alienar, entregar de mão beijada espaços como os dos dois cinemas que desde há muitos anos nos habituámos a ver como ex-líbris da capital diz bem da cultura boçal e de novo-riquismo que endoidece os especuladores, com o beneplácito de quem os entrega. A responsabilidade não é apenas de quem os adquire. Também é de quem aceita, cruzando os braços, deixar que pouco a pouco, às vezes até de caxexe, vão desaparecendo marcos fundamentais da história de Luanda.

Cada um faz o que quer. Não se prestam contas. Nós somos apenas um número de um registo para ir votar. Não opinamos sobre nada, nada nos é perguntado. E como, infelizmente, isso é transversal a toda a sociedade, ainda olham para os poucos que reclamam, que não querem perder o sentido da cidadania, meio de lado, como estivéssemos errados e fôssemos os extraterrestres de toda esta pândega.

Melhor seria partir Luanda antiga, Luanda histórica, bocado a bocado. Sem truques, sem ilusões, cara a cara: meus senhores, Luanda não existia, então vamos fazer uma nova!

Sendo assim, ficaríamos no nosso canto, sem reclamar e a aguardar as decisões de quem entende, eventualmente, que nós não tínhamos história antes. Só depois.

E que somos o produto não de cinco séculos mas de quarenta e um anos...

A absoluta aberração do shopping à beira da Fortaleza diz bem da falta de limites para tudo. Entre a ignorância e o atrevimento, entre a maldade e a gula selvagem de facturar por facturar, é um bom exemplo do que não deve ser feito em parte nenhuma do mundo. Lamentável o silêncio dos mais-velhos, dos que, ainda vivos, viram Luanda crescer, e dos mais-novos, para quem o silêncio é a melhor solução, não vão acabar por ser prejudicados a posteriori por afirmações que façam e posições que defendam.

Um dia desses - se ainda é possível falar-se em exame de consciência, o que não acreditamos - podiam, triunfantes e destruidores, olhar para o espelho e perguntar-se onde é que nós entrámos nesta descabelada exposição de maus gostos sucessivos, neste vendaval de loucura que não tem limites, que quer arrancar Luanda à sua própria história e redefini-la como se fosse uma invenção dos poderes actualmente instituídos.

Que diabo. Perdemos muita coisa. Certamente não o espírito crítico nem a inteligência!