Os 108 metros de queda livre que as águas do Zambeze percorrem até voltarem ao leito do rio em Victoria, área de fronteira entre a Zâmbia e o Zimbabué, parecem pouco ou nada em comparação com os quase mil metros das Cataras do Anjo - Angel Falls - na Venezuela, as maiores do mundo, mas o que está em causa não se mede em metros, mede-se em percepção e essa é que o desaparecimento da água no leito de um dos mais importantes rios africanos, que tem Angola no seu percurso, não pode ser uma coisa normal.

E não é uma coisa normal, alias, pode mesmo ser, segundo alguns analistas, um indício claro de que algo está mesmo a correr muito mal no clima do mundo, porque esta cascata de água leva centenas de milhares de pessoas ao local todos os anos devido ao volume de água e à beleza do local - é uma das mais reluzentes atracções turísticas do continente - e agora não mais é que um fiozinho de água sem impacto nem deslumbre.

Não é novidade que a África Austral atravessa uma das suas mais brutais secas em 100 anos, como, alias, o NJOnline tem sobejamente noticiado, mas nada é mais simbólico para essa tragédia que ver o poderoso Zambeze secar no ponto onde ele é mais conhecido e para onde atrai mais pessoas de todo o mundo, nas Victoria Falls, despoletando receio, mesmo pânico, entre os dois Governos, de que uma das maiores atracções turísticas esteja a morrer por causa das alterações climáticas.

E as imagens que fazem páginas de jornais em todo o mundo não podiam ser mais evidentes na demonstração de que há um problema sério a correr no leito do Zambeze, com escassos fiozinhos de água no lugar onde, normalmente, grossas torrentes levantam nuvens de gotas de água e vapor em resultado da evaporação produzida pela sua queda no vazio até embater poderosamente quase 100 metros mais abaixo.

Nos países vizinhos, incluindo Angola, há anos, que a seca se faz sentir como pouco aconteceu desde que há registos, com a agricultura a sofrer como nunca na África do Sul, na Namíbia, o Governo tem sido obrigado a vender animais selvagens para não morrerem de sede e fome, em Angola, centenas de milhares de pessoas precisam de ajuda persistentes para sobreviverem e no Zimbabué já morreram centenas de elefantes por falta de bebedouros viáveis.

Mas é a falta de água nas Victoria Falls que mais tinta está a fazer correr em todo o mundo. E, todavia, pode ser tudo ligeiramente exagerado.

Isto, porque, se por um lado a maior parte das notícias e reportagens são de pendor dramático, como é disso exemplo, esta, do The Guardian, alguns sites especializados têm feito o percurso inverso, procurando nos registos históricos situações similares, e isso tem sido conseguido, como, por exemplo, aqui: https://iharare.com/this-is-the-real-reason-victoria-falls-is-drying-up/.

E se a maior parte das notícias fazem uma retrospectiva a 1995, não encontrando nada pior que o actual cenário, apesar de ficar claro que o Zambeze, na estação seca, reduz significativamente o seu caudal médio, num estudo mais lato, foi possível verificar que, por exemplo, em 1985, as cascatas em Victoria chegaram a presentear os visitantes com um cenário tão ou mais desolador que o actual.

Porém, a generalidade dos cientistas chamados a analisar este fenómeno nos media internacionais, frisam que, sendo verdade que há outros registos ao longo dos anos onde a desolação é semelhante, o problema emerge da periodicidade com que, nas últimas duas décadas, este fenómeno se tem repetido e com tanta profundidade, deixando de parte a possibilidade de rotular a situação de ciclicamente normal. São vezes a mais para ser normal e não ser um sinal de que existe mesmo um problema sério.