Jacob Zuma tem o seu futuro político dependente apenas de uma conversa entre os dirigentes de topo do seu partido, o Congresso Nacional Africano (ANC), que deveria ter lugar hoje mas foi adiada no último minuto, e o mesmo, mas em sentido inverso, se passa com Ramaphosa, cuja subida ao "trono" está apenas dependente da queda iminente do seu "inimigo".

Sendo verdade que a governação de Zuma nunca foi pacífica, desde o momento da sua eleição, em 2009, permanentemente envolto em polémicas e suspeitas de corrupção e peculato, as coisas pioraram muito para o seu lado quando o ANC, em Dezembro de 2017, elegeu para presidente Cyril Ramaphosa, deixando o país numa escaldante bicefalia.

Isto, porque, de um lado Jacob Zuma, na Presidência da República, mas cada vez mais fragilizado, procura salvar a pele por todos os meios, enquanto à frente do ANC, partido que governa o país desde o fim do apartheid, em 1994, Ramaphosa se ergue claramente como a alternativa para o lugar de Presidente da República.

Conseguira o ANC reganhar o posto de timoneiro da Nação?

O risco que o país corre, apesar de os analistas não admitirem qualquer tipo de crise nas ruas por falta de poder do Estado, é que o ANC não consiga reagrupar-se por forma a evitar o desmoronamento que muitos consideram estar a prazo face a tantos escândalos de corrupção e clivagens internas, especialmente nos últimos anos.

Zuma, entre outras acusações, enfrentou a de violação, em 2005, ainda não se livrou totalmente da sombra de suspeita de corrupção que dura desde 2009, embora, de todas tenha conseguido livrar-se, apesar de acusado de mover fortes influências políticas para isso.

No actual momento político, marcado por esta crise no ANC, com forte repercussão na vida política do país por se tratar do Presidente da República, a questão está em saber-se o que vai decidir o ANC e o seu líder, Cyril Ramaphosa.

Para hoje esteve prevista uma reunião do comité executivo do ANC com um único ponto na agenda: remover Zuma do cargo de Presidente.

No entanto, na terça-feira, já noite, o partido veio informar que esta reunião, que deveria ser decisiva, tinha sido adiada por alguns dias porque os dois homens no centro do turbilhão, Zuma e Ramaphosa, tinham estado a conversar de forma "construtiva e frutífera", embora sem pormenorizar nada, apesar dos "vários assuntos" abordados entre os dois.

Esta janela, mais uma aberta para a crise sul-africana gerada no seio do ANC, foi aberrta depois de o Parlamento ter adiado o discurso à Nação de Zuma devido ao caos gerado no partido pela recusa de Zuma, apesar de fortemente pressionado para isso, abandonar de livre vontade as rédeas do país.

Para reforçar a pressão, até a Fundação Mandela veio a público exigir a demissão imediata de Jacob Zuma, juntando assim o peso do nome do histórico e respeitado líder, Nelson Mandela, à avalanche que se está a abater sobre o cada vez mais isolado e fragilizado Presidente da República.

O que o ANC, na sua quase totalidade, quer é que Zuma abandone e passe o poder a Ramaphosa, para que este possa, já no cargo, preparar as eleições presidenciais em 2019. O grupo de aliados de Zuma no interior do ANC é cada vez mais pequeno mas exige que este possa cumprir o mandato para o qual foi eleito até ao fim.

A história repete-se

No entanto, é bom recordar que o que está a suceder a Zuma é quase o mesmo que este provocou ao seu antecessor, Thabo Mabeki, quando o derrotou para a liderança do partido em 2007, exercendo a seguir uma fortíssima pressão para que este abandonasse o poder antes das eleições que deveriam ter lugar em 2009.

Para já, e depois de Cyril e Jacob terem conversado, segundo a imprensa sul-africana, como forma de evitar que ocorra uma transferência da instabilidade dos corredores do ANC para as ruas das cidades do país, o futuro de ambo, mas da África do Sul em particular, pode muit bem estar agora dependente do conteúdo do discurso que Zuma vai dirigir ao país na Assembleia Nacional nos próximos dias, depois deste ter sido adiado na terça-feira.

A única coisa que os analistas sul-africanos dão como garantida é que esta crise, mais uma, e as permanentes suspeitas de comportamentos incorrectos sobre os lideres do ANC, podem ser o princípio do fim da hegemonia do partido de Mandela na África do Sul, devido ao cansado popular alcançado desde as primeiras eleições ganhas em 1994, que marcaram o fim do odioso apartheid.

Face a isto, e passada esta erupção, caberá a Cyril Ramaphosa mostrar capacidade para voltar a colocar o ANC como o partido que une a África do Sul, mas a crise profunda que o país atravessa, com problemas sociais intensos, desde a pobreza à corrupção generalizada ou ao desemprego crescente, o desmoronar da sua capacidade industrial, não augura o melhor para o histórico movimento político.

Falta apenas a Ramaphosa chegar ao poder, mas, para isso, Zuma tem de abdicar, o que permitiria ao líder do ANC assumir o cargo por defeito.