A corrosiva doença que o atirou há anos para uma cadeira de rodas é um das causas daquela que pode ter sido a mais severa derrota do homem que foi, durante décadas, visto como um exemplo de entrega à luta por uma Argélia desenvolvida e fora da influência dos radicalismos islâmicos e que aos 19 anos já estava nas trincheiras da luta pela independência contra a França que teimava em não arredar pé da sua jóia da coroa colonial.

Mas com 20 anos de poder às costas e com um final de carreira política à beira do ridículo, Bouteflika estava condenado a não conseguir levar até ao fim esta candidatura, até porque estava eivada de ilegalidade na forma como foi formalizada.

A lei eleitoral argelina exige que a candidatura seja formalizada pelo candidato e não por terceiros e Abdelaziz Bouteflika foi oficialmente feito candidato por um dos seus conselheiros por estar impedido de o fazer devido à doença que o afecta há vários anos, agravada em 2013, ano em que foi severamente atingido com um Acidente Vascular Cerebral.

O anúncio da desistência foi feito na segunda-feira, dia em que Bouteflika regressou a Argel depois de mais uma estadia na Suíça para tratamento médico, encontrando um país em polvorosa por causa da sua insistência em se recandidatar e com a novidade de os deputados de seis partidos da oposição terem decidido juntar-se aos protestos de rua que, em várias cidades argelinas, mas com especial foco na capital, se fazem sentir há mais de 15 dias.

Mas, ao mesmo tempo que se afastava de uma recandidatura, o Presidente argelino anunciou também o adiamento das eleições gerais que estavam agendadas para 18 de Abril sem ter avançado com uma nova data para ir às urnas, mas disse que uma nova Constituição seria sujeita a referendo popular.

O actual Presidente argelino deixa para trás um alonga vida política que começou ainda na década de 1950, integrando as forças nacionalistas que travaram a dura guerra contra a França colonial entre 1954 e 1962, tendo, logo após a independência, sido indicado para ministro dos Negócios Estrangeiros.

Bouteflika usou este cargo para emergir com um dos mais acérrimos defensores da integração da Argélia no movimento internacional dos Não-Alinhados, o 3º palco mundial num contexto de Guerra Fria que levava o mundo para a bipolarização total e que foi, relativamente, travado por estes países de África, América Latina e Ásia.

Foi também ele um dos mais importantes pilares de acolhimento de idealistas revolucionários de todo o mundo em Argel, onde estiveram alguns nacionalistas angolanos, revolucionários portugueses, ou ainda homens como Nelson Mandela e Ernesto Che Guevara, usando esta cidade para organizar ou reorganizar os seus movimentos de libertação ou revolucionários.

Foi ainda Bouteflika que iniciou o processo de pacificação com os movimentos islâmicos que levaram o país a uma longa guerra civil, com mais de 200 mil mortos, depois de ter regressado à Argélia na década de 1980, após anos de exílio, tendo sido eleito em 1999 graças a essa intervenção decisiva, usando o cargo de Presidente para impor negociações e afastar do poder os militares.

Desde então, graças ao aumento da produção petrolífera e aos preços do ouro negro em alta até 2014, Bouteflika conseguiu manter a Argélia longe da irradiação das "primaveras árabes" que arrasaram países do norte de África como o Egipto, a Tunísia ou a Líbia e quase faziam desmoronar o reino tranquilo de Marrocos.

Mas tudo mudou em 2014, com o petróleo a perder viço e com os problemas a amontoarem-se num país com uma população muto nova e exigente, como o mostram estes 15 dias de manifestações, motivadas por um crescente desemprego, uma pobreza galopante, uma corrupção quase endémica e com os serviços públicos a perder qualidade de dia para dia.

Agora, com uma nova Constituição à espreita e com Bouteflika fora do palco, a Argélia volta a assumir as rédeas do seu futuro... se, entretanto, a nova Constituição for de encontro à exigência de abertura dos milhões de jovens argelinos que já mostraram não estar disponíveis para atrasos no processo de transformação social em curso.

Abdelaziz Bouteflika foi ministro dos Negócios Estrangeiros entre 1963 e 1979, e, enquanto Chefe de Estado, que exerce desde 1999, foi responsável, em 2002, pela extinção dos últimos focos do radicalismo islâmico e da guerra civil que estes provocaram, e, em 2011, acabou com o estado de emergência que mantinha o país pejado de barreiras policiais. Foi ainda Presidente da Assembleia-Geral da ONU em 1974.