O comunicado da Casa Civil do Presidente João Lourenço não avança quaisquer outros dados sobre a agenda das cerca de 48 horas que Paul Kagame vai passar em Angola, o que pressupõe que a razão desta deslocação tem o foco principal na discussão de temas relevantes para os dois países com o seu homólogo angolano.

Recorde-se que Kagame, na qualidade de Presidente da União Africana, cargo que deixou há escassas semanas, substituído pelo egípcio Abdel Fattah El-Sisi, e João Lourenço, não estiveram totalmente alinhados na polémica chegada de Félix Tshisekedi à Presidência da República Democrática do Congo (RDC).

O primeiro insistiu durante algum tempo na necessidade de clarificar as alegadas ilegalidades na eleição de Tshisekedi enquanto João Lourenço alinhou com a maioria dos países da região na aceitação dos resultados e na defesa desse caminho como o mais indicado para a estabilidade política do problemático gigante africano que partilha fronteiras com Angola a sul e com o Ruanda a leste, para além de outros sete estados.

Mas o Ruanda e Angola, até à chegada de João Lourenço ao poder, em Setembro de 2017, durante o consulado do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, mantiveram uma relação tensa em determinados períodos, nomeadamente no contexto da disputa pela liderança e pela influência na Região dos Grandes Lagos, sobre a abordagem às permanentes crises na RDC e sobre a questão das guerrilhas geradas no Ruanda com forte actividade violenta no Congo.

Isso mesmo ficou claro quando, há uns anos, o então líder da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL), o ex-Presidente angolano, numa Cimeira que teve lugar em Luanda, à qual Kagame faltou, disse de forma clara que era urgente o apoio internacional ao Governo de Kinshasa para derrotar de uma vez por todas as guerrilhas com origem em países vizinhos que estavam a desestabilizar a RDC com apoio de governos estrangeiros.

O milagre ruandês

O Ruanda é, por outro lado, uma das principais referências do sucesso africano no desenvolvimento de economias de base tecnológica e na construção de um sistema de ensino de referência, bem como é um dos países que lideram o continente em questões da paridade de género nas estruturas e organismos públicos, tem um índice de desenvolvimento humano invejável e conseguido em escassos anos.

O País das Mil Colinas é ainda, 25 anos depois da tragédia que foi o genocídio de Tutsis pela mão da maioria Hutu, onde morreram, corria o ano de 1994, mais de 800 mil pessoas assassinadas de forma bárbara, um exemplo de reconciliação e superação, está entre os países com melhor desempenho ambiental e é visto pelos grandes investidores mundiais como destino seguro dos seus investimentos.

Tudo isto é, quer se queira quer não, resultado da governação de Paul Kagame, que dirige o país desde 2000 e é apontado como uma sólida referência para outros países que no continente africano buscam também esse tipo de desenvolvimento, nomeadamente aqueles que, como Angola, procuram libertar-se da dependência económica do petróleo e procuram criar as bases para assentar uma economia mais diversificada.

Embora a curta comunicação sobre esta visita não dê quaisquer indicações sobre o conteúdo da agenda de Kagame, estas e outras questões deverão fazer parte da conversa que João Lourenço manterá com o seu homólogo do Ruanda, quando o recener, por volta das 12:00 de hoje, no Palácio Presidencial da Cidade Alta.

Recorde-se ainda que, ainda em Fevereiro deste ano, os dois Governos mostraram estar empenhados na resolução dos grandes problemas relacionados com a Região dos Grandes Lagos e da África Central, durante uma visita do ministro da Justiça ruandês, Johnston Busingye, que é também Procurador-Geral da República.

Nesta visita de Johnston Busingye a Luanda, foi assinado um acordo de cooperação em matéria de Segurança e Ordem Pública, com o ministro angolano do Interior angolano, Ângelo da Veiga Tavares.

Acordo esse que consubstancia também a possibilidade de formação de agentes de segurança de outros países da CIRGL, como forma de contribuir para a paz e estabilidade nos Grandes Lagos.

Johnston Busingye, nesta deslocação a Luanda, assumiu que as relações entre os dois países deram um salto qualitativo com este acordo porque "reforça as relações bilaterais e eleva-as para um nível superior".