Jean-Pierre Bemba, o antigo "senhor da guerra" e ex-Vice-presidente da RDC, viu a sua candidatura rejeitada pelo Tribunal Constitucional da RDC sob a alegação de que o "candidato" tem pendente um processo judicial no Tribunal Penal Internacional (TPI).

O mesmo tribunal que há pouco mais de um mês soltou Bemba após cumprir 10 anos de uma condenação de 18, depois de rever o seu processo, concluindo pela ausência de justificação para a sua manutenção no cárcere de Haia, na Holanda, o que lhe permitiu regressar ao país, onde foi acolhido por milhares de apoiantes, e depositar a sua candidatura no órgão próprio.

Neste momento decorre o recurso de Jean-Pierre Bemba, bem como de outros cinco candidatos, podendo o resultado deste procedimento legal despoletar reacções que levem os seus militantes de regresso às ruas, com consequências imprevisíveis, tendo em conta o forte apoio popular deste antigo "senhor da guerra", especialmente na região de Kinshasa.

Também Moise Katumbi, outro peso-pesado da política congolesa foi afastado da corrida eleitoral, embora neste caso nem sequer tenha sido permitido depositar a candidatura porque o antigo governador do Katanga e empresário milionário se viu sem documentação em Bruxelas, na Bélgica, por indicação da justiça congolesa à embaixada da RDC naquele país proibindo a emissão de um passaporte.

Face a este cenário, onde, dos três principais candidatos da oposição, apenas Félix Tshisekedi, filho do histórico Etienne, falecido o ano passado, e presidente da UDPS, o maior partido da oposição, aparentemente, viu o seu processo concluído e vai concorrer às presidenciais de 23 de Dezembro.

Indícios de risco

Este cenário é claramente propício a novos episódios de protestos populares e resposta violenta das forças de segurança, cenário que se repetiu em todos os momentos de transição política no país desde 1960, ano em que esta antiga colónia belga conquistou a independência.

A comunidade internacional, com a ONU à frente, almeja que estas eleições sejam as primeiras pacíficas no país em circunstâncias de transição de poder, objectivo facilitado depois de o ainda Presidente Joseph Kabila ter desistido de insistir na sua recandidatura, que seria ilegal face ao disposto na Constituição, que limita a dois os mandatos sucessivos.

Para criar condições para que assim suceda, alguns membros do Conselho de Segurança - Reino Unido, França e EUA - acabam de emitir uma oferta de apoio técnico e logístico à realização das eleições.

Uma das principais dúvidas da oposição é a utilização de máquinas de voto electrónico, opondo-se a este método por receio de manipulação dos votos.

A embaixadora norte-americana na ONU, Nikki Haley (na foto), retomou estas dúvidas e questionou no Conselho de Segurança se essas mesmas máquinas vão ser em número suficiente para todo o país, se existem garantias de que as suas baterias serão recarregadas quando terminarem as 12 horas de autonomia e se foram devidamente testadas sob supervisão independente.

Haley, que se tem mostrado hostil à utilização de voto electrónico, apesar de no seu país, os EUA, este ser um método recorrente, apesar das críticas, exigiu ainda saber se estarão disponíveis boletins de voto em papel para o caso de falhas nos aparelhos, justificando com a necessidade de não prolongar demasiado a votação devido a riscos de a impaciência resvalar para novos episódios de violência.

A diplomata norte-americana, demonstrando que Washington vai manter uma forte vigilância sobre as eleições na RDC, quer ainda que as autoridades congolesas permitam que a missão da ONU no país, a MONUSCO; esteja no terreno para apoiar a logística eleitoral, nomeadamente no transporte e supervisão e segurança das urnas de voto e das máquinas de voto.

As dúvidas foram totalmente rejeitadas pela embaixadora da RDC na ONU, que defendeu a eficácia da comissão eleitoral congolesa, a CENI, apesar de esta ter estado no centro de quase todas as mais fortes polémicas e acusações de manipulação do processo por parte da oposição.

Recorde-se que a CENI esteve sempre por detrás das intenções de Kabila em adiar as eleições através de expedientes, desde Dezembro de 2016, quando deveriam ter tido lugar, de acordo com o calendário constitucional, e depois em 2017, onde teve lugar o segundo adiamento, por entre mortíferos protestos populares, deixando um rasto de centenas de mortos e milhares de feridos em todo o país.

A emissária especial da ONU para a RDC, Leila Zerrougui, por sua vez, foi clara ao afirmar que a principal questão em cima da mesa é garantir a credibilidade das eleições, sublinhando que "essa é a maior das preocupações".

E um vislumbre do que poderá suceder deverá ocorrer em breve, quando o Tribunal Constitucional se pronunciar sobre os recursos dos candidatos que viram os seus processos rejeitados, entre estes, e com destaque, para jean-Pierre Bemba, cuja capacidade de movimentar muitos milhares de pessoas para as ruas não pode deixar de gerar as maiores inquietações, interna e externamente.

Impossibilitado de concorrer devido a pressões internas e externas, Kabila escolheu o seu ex-ministro do Interior Emmanuel Ramazani Shadary como seu "delfim", depositando neste seu homem de confiança a defesa dos seus interesses se for eleito.

O criminoso candidato

As dúvidas sobre os objectivos e credibilidade da CENI foram, entretanto, mais uma vez sublinhadas com a notícia de que, ao mesmo tempo que impedia o processo de Bemba, abria as portas à candidatura de um miliciano perigoso e condenado perpétua por violação de crianças nas eleições regionais do Kivu Sul.

As reacções à aceitação da candidatura de Frederic Batumike surgiram de imediato e elementos da oposição referem mesmo que a CENI, com este comportamento, tem a sua credibilidade "ferida de morte".

A ONG congolesa Nova Dinâmica Social foi quem denunciou a presença de Batumike nas listas às eleições regionais daquela província do Leste da RDC e defendeu num comunicado que deixar um criminoso deste calibre candidatar-se, ao mesmo tempo que impede outros cidadãos de o fazerem, "retira o resto de confiança que a CENI ainda tinha".