A UDPS, numa altura em que se somam as informações oficiosas sobre o curso da contagem dos votos, pediu mesmo, em comunicação feita na terça-feira, que Félix Tshisekedi seja convidado pelo ainda Presidente Joseph Kabila (na foto, com Tshisekedi) para terem início as conversações sobre a transição de poder.

Esta iniciativa é um claro encurtar do rastilho, já curto, que pode fazer explodir o barril de pólvora em que a RDC está transformada com os sucessivos adiamentos dos resultados provisórios das eleições gerais que vão ficar politicamente marcadas pela saída de Kabila do poder ao fim de 18 anos.

Para minimizar o risco de sublevação popular, a CENI veio, entretanto, revelar que estão criadas as condições para que os primeiros resultados, parciais, da votação de 30 de Dezembro, que, para além do Chefe de Estado, vai ainda definir o Parlamento nacional e as assembleias provinciais, sejam anunciados dentro de 48 horas, até sexta-feira.

Os resultados provisórios chegaram a estar anunciados para o dia seguinte à votação, desta vez realizada via electrónica, mas foram adiados sem data pela CENI sob a justificação de estavam a ser encontradas dificuldades no recebimento dos dados das distantes províncias congolesas, nomeadamente devido aos cortes na internet por ordem do Governo.

A Internet continua cortada na generalidade da RDC para, justificou o Governo, evitar os apelos à sublevação via redes sociais e à veiculação de informações falsas sobre a contagem dos votos.

Recorde-se que nos últimos dias, para além da UDPS, que anunciou a vitória do seu candidato, Félix Tshisekedi, também o candidato do regime, o ex-ministro do Interior, Ramazani Shadary, afirmou ter sido eleito pelo povo, enquanto Martin Fayulu, o candidato escolhido pelos pesos-pesados Jean-Pierre Bemba e Moise Katumbi - afastados da eleição por expedientes da justiça controlada por Kabila - já ouviu fontes anónimas da Conferência Episcopal (CENCO), que teve 40 mil observadores eleitorais espalhas pelo país, a dizer que, com 50% dos votos contados, seguia na frente com larga margem.

Todavia, isso só será possível de averiguar com relativa clareza quando a CENI anunciar os resultados provisórios, o que pode ocorrer já esta sexta-feira, ou até sexta-feira ser anunciada, pelo menos, uma data para o anúncio oficial desses resultados, porque dificilmente a tensão existente permitirá outro cenário que não seja ir de encontro às exigências populares.

Até porque, se oficiosamente o órgão que reúne os bispos católicos, a historicamente mais poderosa instituição congolesa, que representa mais de 50 por cento dos 80 milhões de habitantes e tem um papel inigualável na política da RDC, deixou saber que Martin Fayulu levava vantagem da contagem dos votos, o seu presidente, o prelado Marcel Utembi, veio a público, oficialmente, declarar que, segundo as informações recolhidas pelos observadores, um dos três candidatos principais tinha uma larga vantagem sobre os outros dois.

O que, sabendo-se que as sondagens anteriores à votação apontavam para uma vitória folgada de Fayulu, facilmente se juntam as peças para construir a ideia de que este deverá ser anunciado como vencedor do pleito.

Se não ocorrer aquilo de que se suspeita há muito no seio da oposição e de organismos internacionais, que é que o regime actual dificilmente poderá permitir, tendo em conta o que está em jogo, especialmente interesses económicos e políticos, deixar o poder escapar para as mãos de inimigos históricos do actual Chefe de Estado e dos interesses que este representa.

Aproximação entre Kabila e Tshisekedi?

Para piorar o estado de forte tensão na RDC, alguns media congoleses e internacionais, apontam hoje como estando em curso, substanciando essa possibilidade em declarações do secretário-geral da UDPS, Jean-Marc Kabund, um processo negocial entre Kabila e Félix Tshisekedi para a partilha do poder.

Isso seria erguido num contexto, e sob a justificação, da urgente reconciliação nacional, e também, disse, "como forma de garantir que a transferência de poder ocorrerá de forma pacífica".

Todavia, a suceder uma aproximação entre Tshisekedi e Kabila, isso não só iria contra aquilo que é a história da UDPS, partido fundado por Etienne Tshisekedi, pai de Félix e arqui-inimigo de Kabila, como seria um catalisador para uma nova frente de tensão entre os apoiantes da UDPS - partido que controla uma boa parte da força sindical do país - e os milhões de congoleses que seguem as orientações do antigo "senhor da guerra" e senador, Jean-Pierre Bemba e do antigo governador do Katanga e milionário com grande influência junto das massas, Moise Katumbi.

Como pano de fundo para aquilo que pode ser o complexo xadrez do qual saíra o novo poder na RDC está o facto histórico de que nunca, desde a data da independência do país, em 1960, ocorreu uma transição de poder pacífica, com ou sem eleições.

O congo já viveu, nas décadas de 1980 e 1990 vários períodos de enorme violência, sendo que em três momentos o país viveu guerras civis que fizeram milhões de mortos, feridos e deslocados.

O Congo vive ainda hoje uma situação de grande instabilidade em áreas como o Grande Kasai, a sul, junto à fronteira com Angola, e nos Kivu Norte e Sul, e ainda Ituri, no leste, junto à fronteira com o Uganda e Ruanda, com dezenas de grupos de milícias e guerrilhas com origem nos países vizinhos a espalhar diariamente o terror entre as populações civis.

A par disso, uma agressiva epidemia de Ébola já matou cerca de 400 pessoas no leste, desde 01 de Agosto, e a cólera continua, há meses a fio, a alastrar, bem como não param de aumentar os números de deslocados internos.

É perante este cenário que a ONU mantém na RDC a maior e mais dispendiosa missão de pacificação em todo o mundo, a MONUSCO, com milhares de militares e civis integrados nas equipas médicas e logísticas.