Hoje, a questão sobre um ataque norte-americano na Síria, para punir o alegado uso de armas químicas pelo regime do Presidente Bashar al-Assad, passou a um "se" e a um "provavelmente".

Mas já não há certezas de que acontecerá e muito menos se o Presidente norte-americano vai manter a perigosa pressão e desafio à Rússia, que tem na Síria um forte contingente militar, em meios e homens, para defender e ajudar al-Assad.

Que aconteceu em pouco mais de 24 horas? Quase nada, apenas mais uma ida de Donald Trump à sua rede social preferida, o Twitter, onde oficiosamente revogou o tweet anterior que fez o mundo suster a respiração e começar a olhar para os céus em busca de sinais do início possível de uma guerra mundial devastadora.

No primeiro tweet, Trump, na reacção ao presumível ataque químico do último Sábado, disse, em claro tom de desafio e ameaça, que a Rússia estivesse preparada porque os mísseis norte-americanos, "bonitos, novos e espertos" estavam a caminho da Síria, sublinhando, entre linhas, que os seus foguetes estavam melhores que nunca e iriam passar pelas defesas russas com facilidade, nomeadamente o seu sistema antimíssil S-400 (na fotografia), considerado o mais moderno e, eventualmente, mais eficaz na actualidade.

Hoje, numa nova ida ao Twitter , mostrando que algo de sério se passou entre este e o primeiro, adivinha-se uma conversa com os seus conselheiros militares e diplomáticos, ou chefias do Pentágono, mostrou-se menos apressado e vagamente mais sensato, porque escreveu, embora não afastando a possibilidade de um ataque, que este poderá acontecer ou não.

Já o seu secretário para a Defesa, cujo estatuto hierárquico na Administração norte-americana equivale ao ministro da Defesa, James Mattis, nesse espaço temporal entre tweets, veio diluir a tensão ao afirmar que em cima da mesa estavam várias opções.

O que mudou, entretanto., não é claro, mesmo para os analistas mais próximos da Casa Branca, sendo o posicionamento errático de Trump a única linha coerente no meio do caos que parece existir na Casa Branca.

Mas os argumentos da Síria e da Rússia sobre a pouca razoabilidade em dar o tal ataque químico como tendo de facto acontecido e, se assim foi, atribuí-lo sem mais nem menos a Assad, podem ter feito o seu caminho.

Isso, e a forma como o Presidente francês, Emmanuel Macron, apesar de já hoje ter vindo afirmar que a França tem provas do ataque e da sua origem no regime de Assad, optou por um discurso mais moderado, rejeitando agregar as suas forças a um ataque não planeado e sem objectivos específicos e bem delimitados.

De Londres, como tem sido norma, a primeira-ministra Theresa May não tenha titubeou a manifestar apoio a Trump, ao procurar mais uma linha de tensão para aliviar a pressão política interna a que está sujeita, depois do, ao que tudo indica, falhanço do episódio do envenenamento do ex-espião russo, Sergei Skripal e da sua filha.

E a chanceler alemã, Angela Merkel, mais clara, disse que o seu país não participará em nenhuma coligação formada para atacar a Síria, sublinhando que entende ser "intolerável" o recurso a armas deste tipo em qualquer circunstância.

Os argumentos russos

O que o ministro dos Negócios Estrangeiros russo veio a público dizer foi que o que Trump estava a fazer era uma coisa de crianças porque bastaria parar cinco minutos para pensar e facilmente se concluiria que o Presidente Assad e os aliados, Rússia e Irão, não tinham quaisquer motivos para usar armas químicas num terreno de combate onde estão a ganhar de longe sobre os grupos jihadistas e de opositores ao regime, como é o caso de Douma, em Ghouta Oriental, próximo da capital, Damasco, onde um atrás de outro grupo rebelde se rendem e entregam as armas a ponto de já não existir qualquer resistência.

Dizem ainda que as imagens de vídeo divulgas foram forjadas pelos grupos opositores a Assad e jihadistas com o intuito de forçar uma intervenção ocidental que poderia evitar a sua derrota total em Ghouta.

A par desta argumentação, Assad e os russos mostraram-se, apesar de terem vetado na ONU uma investigação internacional, disponíveis para abrir as portas ao organismo internacional de controlo das armas químicas (OPCW, sigla em inglês), que teria acesso ao local por forma a verificar a existência ou não do ataque, que os russos dizem não ter acontecido porque os seus especialistas não encontraram quaisquer indícios de assim ter ocorrido.

Mas isso não absteve Moscovo de deixar vários avisos a Washington sobre os riscos implícitos num ataque com mísseis a território sírio, sendo o mais lancinante o produzido pelo embaixador no Líbano, que disse que as forças russas abateriam os mísseis americanos e atacariam as bases de lançamento, ou seja, os navios e os submarinos posicionados no mar Mediterrâneo, o que seria o início de uma escalada que poderia conduzir ao fim do mundo como o conhecemos, ou não estivéssemos a falar das duas maiores potenciais nucleares do mundo.

Menos incandescente, Dmitri Peskov, porta-voz do Presidente Vladimir Putin, respondeu às ameaças de Trump aconselhando calma porque o Médio Oriente é uma das regiões "mais frágeis do mundo", acrescentando: "Esperamos que as partes evitem movimentos injustificados porque isso poderia desestabilizar de forma grave a região".

Ninguém pode afiançaro que levou Donadl Trump a mostrar-se mais contido nos seus incendiários tweets, mas o que aconteceu fez remeter-se à rectaguarda a sua não menos inflamada embaixadora na ONU, Nikki Haley.

Do lado russo, e com este cenário montado, qualquer prova concreta de que o seu protegido Assad recorreu mesmo a armamento químico, com o qual terá matado dezenas de civis, deixará Putin e o Kremlin não só maus lençóis como também sem qualquer credibilidade na sua diplomacia que tem no ministro Lavrov um pilar seguro e respeitado interpares.