Mas, até lá, o Presidente Nicolás Maduro, que foi eleito há cerca de um ano, em eleições contestadas pela oposição mas consideradas legítimas por um grupo de observadores internacionais liderados pelo ex-primeiro-ministro espanhol Gonzalo Zapatero, acusa o "imperialismo norte-americano" e um jornalista hispano-venezuelano, que foi entretanto detido e depois libertado, pela falta de luz no país e os habitantes de Caracas bebem água do rio onde são despejados os esgotos da capital venezuelana.

Igual mantêm-se a falta de medicamentos nos hospitais e comida nas prateleiras dos supermercados, que, segundo o Governo de Maduro é culpa das sanções dos EUA que impedem movimentar contas em bancos estrangeiros para adquirir o que falta no país, e que Guaidó considera ser o mais evidente resultado da incompetência e da corrupção que enleia a governação em Caracas e nas províncias venezuelanas.

Mas a frase escolhida por Guaidó para explicar que precisa de um gabinete no Palácio de Miraflores, onde está oficialmente localizado o local de trabalho do Presidente da Venezuela tem um pressuposto claro, o de dizer que logo que tenha o apoio dos militares, vai expulsar Maduro do seu gabinete para se sentar na sua cadeira.

A frase é esta: "Precisamos de um gabinete para trabalhar, quando tivermos as Forças Armadas completamente alinhadas, vamos procurar o nosso gabinete lá, em Miraflores".

Esta declaração de intenções para derrubar o poder de Maduro, que Guaidó estende ao resto do país, onde pediu, num discurso proferido ontem numa localidade próxima de Caracas, Santa Mónica, que as pessoas se preparem para também elas tomarem de assalto os gabinetes que servem o povo.

Este esforço suplementar de Juan Guaidó para esclarecer o povo venezuelano, que o levou a vários locais populosos de Caracas e dos arredores da capital do país, decorre numa altura em que se depara com uma frente mediática adversa.

Isto, depois de o jornal norte-americano The New York Times ter noticiado que os camiões incendiados com ajuda humanitária que a tropa leal a Maduro travou na fronteira com a Colômbia e o Brasil, e que Guaidó acusava Maduro de ter mandado queimar, afinal, foram incendiados por elementos afectos à oposição.

Guaidó acusado de sabotagem

Isto, quando, na frente interna, a PGR venezuelana acaba de abrir um inquérito ao alegado envolvimento de Juan Guaidó no "boicote" ao sistema de abastecimento eléctrico do país, que está inoperacional, parcial ou totalmente, dependendo da zona, há vários dias, justificado por uma mensagem deste na rede social Twitter onde afirma que a luz regressa logo que termine o Governo de Maduro.

Mas Guaidó não demonstra temer esse inquérito. "Por aí, alguém apareceu a dizer que nos vão investigar. Eu digo-lhes: aqui estamos, nas ruas da Venezuela, exercendo os nossos direitos".

E, em tom de desafio, ridicularizou o Procurador que o está a acusar: "Umm procurador, qual procurador? Um senhor que disse que eu não podia sair do país e percorremos a América do Sul?".

Entretanto, a electricidade tem estado a regressar lentamente aos bairros de Caracas, enquanto as pessoas estão obrigadas a subir vários andares com bidons de água recolhida em rios muito poluídos por falta de luz ou porque os elevadores estão avariados por falta de peças.

Apesar de as condições de vida na Venezuela se estarem a deteriorar a olhos vistos, o regime de Maduro parece estar a conseguir resistir, conseguindo juntar milhares de pessoas em manifestações sempre que a oposição anuncia protestos de rua onde junta igualmente muitos milhares de pessoas.

Face a este cenário de aparente impasse, alguns analistas já começam a admitir que os países mais empenhados no derrube de Maduro, como os EUA, o Brasil e a Colômbia, decidam avançar para oura fase que é a opção por uma intervenção mais musculada que pode, no limite, levar à invasão militar.

O apoio da China, da Rússia e de Cuba ao regime de Maduro parece ser, para já, o melhor garante de que esse passo não venha a ser dado, mas é evidente que a vida na Venezuela, o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, com mais de 300 mil milhões de barris confirmados, começa a ser cada vez infernal.

Mas também a União Africana ou as organizações sub-regionais como a SADC, se posicionaram no terreno em apoio à não-ingerência externa na Venezuela, posição que o Governo angolano subscreve na íntegra.

O mais escaldante problema nas Américas

Como pano de fundo para aquele que é o mais escaldante problema internacional na América Latina está, recorde-se, a autoproclamação de Guaidó, a 23 de Janeiro, como Presidente interino a partir da condição de Presidente da Assembleia Nacional que saiu das últimas eleições, tendo recebido o apoio dos EUA de imediato e mais tarde de vários países europeus e do chamado Grupo de Lima, onde estão, para além de uma dezena de países da região, com destaque para o Brasil e a Colômbia, que são os mais activos na luta contra Maduro, o Canadá.

Nesse corrido narrativo histórico, o Presidente Maduro resolveu extinguir a Assembleia Nacional e criar uma Assembleia Constituinte porque, simplesmente, não detinha a maioria dos deputados no Parlamento saído das urnas, mantendo desde então uma férrea luta contra Guaidó, contando com, também ele, alguns pesos-pesados no exterior, a começar pela Rússia e pela China, mas onde estão ainda outros, como o México ou Cuba.

ONU mostra-se muito preocupada com as mortes registadas no "campo de batalha"

António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas, não podia ser mais claro ao recorrer a palavras fortes para caracterizar a situação na Venezuela e lançou um apelo veemente às Forças Armadas para que não usem "força letal em nenhuma circunstancia".

Num comunicado emitido pelo seu gabinete em finais de Fevereiro, é dito que Guterres "está a acompanhar com preocupação crescente a escalada de tensão na Venezuela" e que ficou "chocado e entristecido" com as mortes de civis registadas.

O Secretário-Geral da ONU "apela à calma e pede a todos os protagonistas para que trabalhem no sentido de reduzir a tensão e desenvolver todos os esforços para evitar o aumento da tensão" e do potencial de confrontos mais alargados.

Deitar a mãos às reservas de crude?

Alias, com o país envolvido na mais intensa crise social, política e militar em muitas décadas, com a fome a generalizar-se aos quatro cantos da Venezuela - país com cera de 32 milhões de habitantes - os analistas tendem a confluir na ideia de que nunca como agora estão reunidas as condições para deflagrar uma guerra civil no país e são cada vez mais estreitos os caminhos diplomáticos para a evitar, especialmente quando se sabe que os EUA estão por detrás a empurrar Juan Guaidó para um extremar de posições que podem, no limite, justificar uma intervenção militar.

Maduro já disse e repetiu que os EUA pretendem "tomar conta" da Venezuela para poderem "deitar a mão" às suas reservas de petróleo, as maiores do mundo, e às toneladas de ouro que existem no subsolo do país, bem como uma lista avultada de outros minerais estratégicos.

Esta possibilidade é igualmente admitida por outros analistas que afirmam estarem os EUA a olhar para as reservas de petróleo venezuelanas para poderem controlar e, com elas, exercer pressão sobre a OPEP - organização a que a Venezuela pertence - de forma a puxar para baixo o valor do barril nos mercados internacionais, como o próprio Presidente Donald Trump diz amiúde ser um dos seus objectivos prioritários para defender a economia dos EUA e garantir combustíveis baratos para os híper-consumistas cidadãos do seu país.