Outros protagonistas, mais adequados, recordarão, a propósito desta data, os principais marcos na história da nossa Nação, inaugurada com o famoso discurso de Agostinho Neto que lançou as linhas mestras para o que viria a ser o Estado de Angola. Incluindo, entre declarações hoje naturalmente desactualizadas pela simples evolução do processo histórico, outras que se mantêm tão actuais como esta: "Queremos pôr a funcionar em pleno a máquina económica e administrativa, combater o parasitismo de todo o tipo, acabar progressivamente com as distorções entre os sectores da Economia, entre as regiões do país, edificar um Estado de justiça social".

Como muitos se recordarão, foi também no Dia da Independência mas em 2016, no seu primeiro discurso como chefe de Estado nas cerimónias oficiais que nesse ano decorreram no município da Matala, que o presidente João Lourenço apelou à honestidade e competência dos melhores quadros do país no processo de desenvolvimento nacional, considerando "Imprescindível pensarmos em abrir e diversificar a nossa economia, e sem abdicar de mantermos o petróleo num lugar importante que lhe cabe, explorarmos ao máximo os enormes e variados recursos naturais de que o país dispõe".

Ora sucede, como todos sabemos, que obviamente falar de Angola e do seu desenvolvimento económico e social, em pleno século XXI, é falar também da nossa relação com os outros Estados e Nações, aos quais estivemos ou estamos ainda ligados. E, como tal, também da maneira como essas relações contribuíram para a definição da nossa identidade, quem somos e quem pretendemos vir a ser, como povo e como Nação.

A 9 de Novembro de 1989 caía o muro de Berlim e simbolicamente terminava o período da Guerra-Fria. Novembro demonstrava novamente ser um mês de profundas e marcantes mudanças. Como escreveu Armando Marques Guedes: "O colapso da URSS e as mudanças político-ideológicas associadas, tanto em palcos angolanos como nos panoramas internacionais, desencadearam uma reorientação sensível na política internacional do Estado angolano".

Embora a relação de Angola com o Ocidente fosse significativa desde os primórdios da Independência - incluindo os EUA que, apesar de não oficializarem o nosso reconhecimento eram já um dos parceiros comerciais principais enquanto maior investidor e comprador de petróleo - é após esse colapso da URRS que se segue à queda do muro de Berlim que Angola ganha um alargado peso geopolítico, beneficiando largamente do poder negocial decorrente de sermos o segundo produtor petrolífero africano, atrás da Nigéria, numa altura em que petróleo estava no auge da sua valorização e conferia um estatuto à parte aos países produtores.

Conquistámos desde aí um estatuto decorrente da junção entre o papel de "soft power" - a nossa capacidade de influência regional ao nível diplomático e de contributo para a resolução de conflitos a nível regional e mesmo continental - e de "hard power" com intervenções militares nos Congos e presença na Guiné-Bissau. E fomos estabelecendo ligações quer através do Índico, estreitando os laços com a China, quer através do Atlântico, reforçando as pontes com os EUA mas também o Brasil.

Em contraponto, não deve ser esquecido que, apesar de ser esse o desejo expresso por Agostinho Neto no discurso citado, ao longo desses anos nem sempre soubemos tirar proveito das vantagens da relação com outras potências estrangeiras, de forma a fomentar o desenvolvimento sustentável do país. Aliás, alguns sectores onde em 1975 Angola tinha já uma forte expressão, sofreram mesmo uma erosão fruto da inadequada ou mal gerida relação com o exterior. Por exemplo no sector agrícola, na agro-indústria e mesmo na indústria ligeira. Quanto à relação com a China, é conhecido que o forte endividamento externo gerado não trouxe, em contrapartida, o esperado desenvolvimento de infra-estruturas e redes viárias nem melhorias substanciais dos equipamentos vocacionados para o sector social e da saúde, como escolas ou hospitais.

Em síntese, não devemos escamotear que - pesem embora as boas intenções manifestadas desde os primórdios da independência - faltou depois capacidade de execução, visão e alinhamento estratégico sustentável, e principalmente empenho sério e comprometido na materialização dessa boa vontade. Como resultado, decorridos estes 45 anos ainda não atingimos os níveis correspondentes às expectativas e à esperança num futuro melhor, alimentadas nos cidadãos em 11 de Novembro de 1975.

No que diz respeito ao posicionamento geopolítico no contexto das relações internacionais, podemos afirmar que fomos de certa forma capazes e bem sucedidos. Angola é hoje um país influente e respeitado na região, no continente e no mundo. Mas a nível interno há, como escrevi acima, ainda um longo caminho a percorrer. Caminho esse de sacrifício e de grande exigência de cidadania e de amor à Pátria para todos os angolanos.

Como sabemos, à data presente e num horizonte de futuro a curto prazo, a situação actual é economicamente mais desafiante do que no passado e Angola depara-se com uma menor capacidade de manobra. A queda do valor do petróleo transportou consigo - e transporta ainda - pesadas consequências na redução do poder económico, o que afecta por seu lado e entre outros aspectos a capacidade de modernização das forças armadas, diminuindo assim o nosso poder militar, variável que foi preponderante na nossa projecção de influência regional e afirmação no continente africano.

Aqui chegados, e aproveitando a oportunidade reflexiva que a comemoração desta marcante data da Independência nos proporciona, que futuro do ponto de vista geopolítico nos resta na região, no continente e no mundo? E que estratégias podem ser adoptadas para que Angola se afirme internacionalmente?

A resposta a estas perguntas é o desafio que devemos enfrentar desde já, iniciando o processo que outros países inclusive africanos prosseguiram entretanto; o da construção de uma Visão de desenvolvimento a cumprir no horizonte de uma ou mais décadas, capaz de dinamizar e envolver a sociedade civil em conjunto com as instituições, a academia e os responsáveis políticos, unidos na vontade de identificar um novo modelo de desenvolvimento, que não seja exclusivamente assente na produção das matérias-primas. E, no nosso caso, de uma em especial.

O mundo evolui para outras fontes energéticas que não os combustíveis fósseis, e a preocupação com a sustentabilidade veio para ficar e envolve já os mercados financeiros no financiamento de alternativas, desde as renováveis ao hidrogénio. Não podemos pensar que alguma vez regressaremos aos cenários do passado.

O que importa, o que é agora indispensável, é aproveitarmos as nossas relações exteriores naquilo que têm de mais sólido e estreitarmos laços para que possamos envolver os nossos países parceiros, através do seu know-how e da sua experiência, na definição de um processo transformador e evolutivo a nível económico, social e ambiental.

Terá, obviamente, de ser um processo conduzido por Angola e pelos Angolanos. Beneficiaremos dos contributos válidos vindos de fora, mas a nós e a nós apenas pertence a responsabilidade das gerações futuras desta grande Nação. Como também disse Agostinho Neto, nesse outro 11 de Novembro de há 45 anos: "A República Popular de Angola será aberta a todo o mundo para as suas relações económicas. Aceitará a cooperação internacional com o pressuposto indiscutível de que a chamada ajuda externa não deve ser condicionada ou condicionante. (...). As nossas relações internacionais serão sempre definidas no princípio da reciprocidade de vantagens".

Que nesta data, em que comemoramos 45 anos de liberdade e em que as esperanças se tornam cada vez mais idosas, assumamos todos maior sentido de cidadania, unidade, tolerância, concórdia e amor ao próximo para que possamos construir de facto a Nação com que sonhámos em Novembro de 75.

Que assim seja!

Parabéns a Angola e a todos os angolanos que continuam a acreditar e lutam por um futuro melhor!

*Especialista em Estratégia e Analista de Política Internacional