Os afectados sofreram consequências gravíssimas, podendo estas perdurar por muitos e muitos anos, atingindo directa ou indirectamente os seus descendentes. Como exemplo, podemos citar a Europa colonizadora, que ao "descobrir" novas terras, como África, América e Índia, encontrou povos que eram totalmente distintos, com a cultura, crenças e hábitos totalmente diferentes daquilo a que a sociedade europeia da época estava habituada a ver no seu quotidiano. Portanto, na sua concepção, aquilo não prestava, era inferior.

Os Europeus achavam-se civilizados, mais inteligentes e cultos, por isso eram superiores a estes povos ditos selvagens, ou melhor, indígenas. O colonialismo europeu fazia com que eles quisessem a todo o custo "civilizar" esses povos, tornando-os assim iguais a si. Estas sociedades primitivas tiveram as suas terras roubadas, a sua liberdade tomada, foram separados das suas famílias, escravizados e até mortos. Porém, com o passar do tempo, as estruturas de pensamento das pessoas foram mudando, bem como os contextos socioculturais.

Vemos que as sociedades, outrora ditas inferiores, acabaram por se tornar independentes e ganhar o respeito daqueles que um dia as oprimiram. E aqui entra outra questão: já não se fala mais na convicção de superioridade, mas apenas num sentimento de culpa ou vergonha deixado pelos seus antepassados, que os atormenta, ou não, como veremos.

Fazer um pedido de desculpas é sempre algo muito complicado, pois reconhecermos os nossos erros e, ainda mais, assumi-los perante outros, implica muita coragem. No entanto, quando se trata de um pedido de desculpas oficial, a questão torna-se mais complexa.

Quando um Estado ou uma Nação se vê obrigado a desculpar-se em público por um erro, que muitas das vezes foi cometido pelos seus antepassados, questões como orgulho ou poder são postas em jogo. Reconhecer o seu erro pode ser considerado uma fraqueza.

Todavia, ao formular um pedido de desculpas, não se tem em mente somente o intuito de "fazer as pazes" com o outro. Pontos como a economia e a política, também são tidos em conta. É por isso que, tão importante quanto o pedido de desculpas ser feito, é este ser aceite.

Para ilustrar esta situação, podemos fazer menção ao caso do ex-presidente americano, Bill Clinton, que numa viagem oficial por África, em 1998, pediu desculpa por todo o sofrimento causado ao povo africano pelos regimes escravistas da Europa e da América. Sendo os Estados Unidos da América uma das maiores potências mundiais, este gesto teve um grande impacto nos media internacionais. Neste caso, reconhecer o erro dos seus antepassados também visa criar uma boa relação política e abrir portas a novos laços comerciais com a África, para além de se redimir perante a comunidade afro-americana, que representa uma grande parte do país.

Houve gerações mutiladas (crianças) que, ao longo destes anos, foram separadas das suas famílias e deixadas a cargo da Igreja, do Estado, ou adoptadas por brancos. Afastadas de suas famílias e cultura, eram obrigadas a assimilar a cultura europeia. Este povo foi vítima de uma política imposta pelos colonos destinada a extinguir a sua cultura.

Por muitas vezes, durante o seu papado, João Paulo II fez menção aos erros cometidos pela Igreja Católica desde a sua criação e por centenas de vezes desculpou-se em público. Estes erros são uma grande mancha na história da Igreja Católica, envergonhando os seus actuais representantes e fiéis. A Igreja, na sua essência, foi criada para passar uma mensagem de amor entre os homens, porém, deixando-se desviar do seu objetivo, principalmente na Idade Média, quando corrompida pelo poder, levou a cabo atrocidades como as Cruzadas ou a Inquisição, sendo actualmente vista como a grande vilã dessa época.

O Papa João Paulo II sempre lutou para dissociar a Igreja da política. E foi durante uma missa celebrada na Basílica de São Pedro para comemorar o início da Quaresma do ano de 2000, que listou todos os pecados que, até então, a Igreja cometera, e pediu perdão a Deus e às vítimas por todos os crimes cometidos.

É certo que a humanidade nunca estará isenta de errar. As consequências dos diversos crimes cometidos por diferentes grupos ideológicos ao longo da História fazem e far-se-ão sentir enquanto perdurar a convicção de superioridade patente em certos grupos. O facto de haver culturas diferentes e estruturas de pensamento divergentes cria uma desarmonia colectiva, fazendo com que uns queiram sempre impor a sua visão do mundo aos outros, levando muitas vezes a guerras, tragédias e crimes.

Por mais que se tente reparar os danos causados, estes crimes são irremediáveis. O que é lembrado é a dor das vítimas, o sentimento de culpa e a vergonha pelos erros. Porém, assumir estes erros é o primeiro passo a ser dado para recuperar a harmonia e buscar a paz. Um pedido de desculpas oficial é a melhor forma de o fazer, pois tem o mundo como testemunha do seu arrependimento.

Como visto nos casos analisados, quem acaba por se arrepender são os descendentes de quem cometeu os crimes, pois as estruturas de pensamento mudam e novos valores socioculturais são adquiridos. Mas será que podemos continuar a desculparmo-nos eternamente? Não chegará o momento em que não haverá mais divergências culturais, e a opinião do próximo será respeitada?

Estanislau Domingos é advogado, professor universitário e consultor jurídico. Licenciado em Direito/Relações internacionais, tem também uma pós-graduação em Direito Autárquico e Finanças locais, a que junta a frequência do mestrado em Ciências Jurídico-económicas e Desenvolvimento