Não conseguimos assistir ainda à apresentação de projectos concretos, de propostas reais, estudadas, aprofundadas, com o selo e o carimbo de quem domina de verdade os grandes eixos da vida nacional.

Particularmente em relação a meia dúzia de quesitos, o quase nada é a resposta para as perguntas que os participantes de hoje a comícios, festas e feiras também já não fazem.

Medidas concretas no que diz respeito ao estado económico e financeiro que o País vive e cuja gravidade é por todos reconhecida? Medidas de médio-prazo que recuperem o potencial agrícola, agro-industrial e pesqueiro que Angola já teve? Criação de infra-estruturas duradouras e sem ganhos privados e mal explicados, que permitam o envolvimento de verdadeiros investidores, nacionais e estrangeiros, e não os comerciantes de trazer por casa que, chegados à nossa Terra, e apesar de todos os problemas que atravessamos, viram doutores e empresários, a roçar a fidalguia? Redes organizadas e estudadas de transportes e de comunicações, a formação dos angolanos, a saúde, a criação de meios de produção?

Alguém ouviu, leu, viu, referências a estes temas?

Apesar de precisarmos de investimento privado, mesmo porque há muito ultrapassámos o limite das nossas próprias capacidades financeiras, este esforço monumental, que tem de ser bem gizado e melhor conduzido, se quisermos, num prazo de dez anos, ter uma vida minimamente normal, com índices de desenvolvimento razoáveis, não pode ser levado a cabo por entidades que não sejam o Estado.

É histórico o desinteresse e a negligência dos privados por tudo quanto não represente lucros rápidos. Daí que tenhamos a oportunidade diária de assistir à completa ausência desse tipo de investimento nas regiões de todo o mundo que mais dele necessitam.

Os "milagres" económicos em alguns países só surgiram depois de um momento inicial de investimento público e de apoio internacional, que paulatinamente vai sendo substituído pelo investimento privado.

Mas voltemos à campanha e ao que vamos assistindo. Nas páginas desta edição, damos conta de muitos jovens que, para aumentarem os seus rendimentos, são pagos para distribuir propaganda eleitoral. Bandeiras, cartazes, fotografias, enfim, o que os partidos lhes encomendam são colocados em função de um valor pago pelos partidos que se candidatam às eleições de 23 de Agosto.

Dado que fazemos parte de um núcleo, ainda assim não tão pequeno, embora em clara minoria, que não se deixou levar pela falsa prosperidade que as políticas neo-liberais finge criar, ainda nos restavam algumas ingenuidades. Como a de pensar que a distribuição de material de propaganda eleitoral, era da responsabilidades de militantes dos diferentes partidos, em particular das estruturas que representam os jovens. Nada mais natural. Somos do tempo em que, se necessário fosse, éramos capazes de pagar para sermos nós próprios a fazer essa propaganda.

E cai-nos mais esta lição de vida em cima. Não se tratam, afinal, de militantes e simpatizantes, amigos, apoiantes dos vários partidos, que se movimentam por Angola fora, dando destaque às camisolas que defendem, melhor dito, ao partido no qual se revêem, às ideias que ele defende, aos princípios e valores que anuncia. Não. É verdade que já sabíamos que hoje em dia, tudo se paga. Quase tudo se vende e quase tudo se compra. O que não queríamos acreditar é que um simples acto de militância, como fazer propaganda do partido que se defende (ou que se grita aos quatro ventos defender) já se tinha tornado passível de pagamento.

Por mais materialista que tenham tornado a sociedade em que vivemos, sempre acreditámos que havia limites que não seriam ultrapassados. Que haveria uma réstia de consciência, de dignidade, de orgulho, de aprumo, de moral, que impediria uma realidade como esta que constatamos.

E que diz bem do nível a que chegámos. Ao menos é oficial. A militância, agora, é paga.