O primeiro tem a ver com declarações de um alto funcionário da Assembleia Nacional que nesta edição do jornal lamenta o facto de viajar em classe executiva, enquanto os membros do Executivo o fazem em primeira classe! Não quisemos acreditar no que líamos, voltámos ao começo e não era mesmo engano nosso. Num momento destes, com todos os avisos à navegação que vêm a ser dados quer internamente quer a nível internacional, uma luminária reclama viagens em classe de luxo, num país que respira crise, angústia e onde milhares de famílias fazem o possível e o impossível para sobreviverem. Se antigamente se utilizava a expressão "pôr ordem no circo", para arrumar questões graves que afectavam um colectivo, mercê de um fenómeno de degenerescência e de sub-humanização de muitos dos que tem pequenas parcelas de poder, aqui trata-se de fechar o circo. De acabar com ele.

À excepção dos Presidente e Vice-Presidente da República, do Presidente da Assembleia Nacional e dos Juízes Presidentes dos Tribunais Supremo e Constitucional, que tal se toda a nossa gente viajasse em classe económica, como fazem os dirigentes, deputados, até chefes de governo dos países mais desenvolvidos e socialmente considerados mais civilizados do mundo, como a Suécia, a Noruega ou a Finlândia. Não caíam "os parentes na lama a ninguém", o estado não gastava rios de dinheiro para milhares de quilómetros em viagens muitas das vezes desnecessárias e todos nós teríamos muito mais respeito por quem nos dirige. Feche o circo, Sr. Presidente. Viaje em primeira em classe ou em executiva quem tem posses para tal. Não os que que trabalham à nossa custa...

O segundo episódio não é menos grave, porque é nossa norma não falarmos da prestação de colegas nossos, seja em que situação for.

Um auto-intitulado radialista fez eco esta semana de uma situação dramática que está a ser vivida por um cantor e compositor, que se debate com graves problemas na sua vida privada. Desconhecemos desde logo quem terá aconselhado o artista a falar para uma rádio expondo os seus problemas. Com amigos como esses, o artista dispensa quaisquer inimigos. Não é, porém, esse, o nosso papel.

Ao ouvirmos, estupefactos, o papel desempenhado pelo dito radialista nessa entrevista, que entretanto foi disseminada pelas redes sociais, demos conta de que, na verdade e ao contrário do que pensávamos ao fim de mais de quatro décadas de profissão onde julgávamos já ter visto quase tudo, estávamos enganados.

A condição sub-humana, no caso deste "colega" atingiu níveis de degradação moral e ética que não julgávamos possíveis. À medida que o entrevistado - que, diga-se, não devia ter consentido em dar qualquer espécie de entrevista, tratando dos seus problemas de forma particular e privada - expunha os seus dramas e a gravidade do momento que está a viver - o "papagaio" de serviço punha eco na conversa, fazia a mesma pergunta duas e três vezes, obrigando a pessoa em causa a repetir-se diversas vezes, a expor-se sem dó nem piedade, enquanto o "profissional da rádio" exercia um papel esquizofrénico de inquisidor-mor, de chefe de fila do que parecia ser o mais aberto e agressivo julgamento de carácter da pessoa, levando-o a expor os detalhes mais sórdidos dos momentos complicados que está a viver. Um exemplo do que é antítese de um verdadeiro profissional da comunicação social: que em primeiro lugar devia ter recusado de imediato a entrevista; que tinha a obrigação moral de procurar o interlocutor e conversar com ele em privado; de o convencer a dirigir-se a pessoas mais próximas; de ter a noção de que, ao fazer a entrevista estava a expor o entrevistado a situações provavelmente ainda mais graves.

Se "isto" fosse uma excepção que não confirmasse a regra bem andávamos. Parece-nos que esta prática se está a tornar uma regra que ultrapassa o que não podíamos imaginar fosse algum dia ouvido por "colegas" de profissão. Somos obrigados a reconhecer que a maldade humana não tem limites. Não respeita dores, dramas, momentos que podem pôr em risco a vida das pessoas.

Basta de circo. Já chega o que esta gente consegue passar para os outros, mostrando desprezo, falta de consideração, desrespeito e de abuso dos poderes que têm. Seja numa assembleia, seja numa rádio.