Bastava-lhe estar na sua Terra, junto aos seus, continuando uma luta a que se entregara, desde jovem, de forma consciente e madura. Homem de raro nível intelectual e profunda preparação política e ideológica, tinha entendido há muitos anos (até por se ter rebelado contra a classe de que era originário), que não eram as funções que ocupava ou o seu passado, que lhe tinham que dar mais direitos, privilégios e regalias que o mais comum dos cidadãos.

Podemos até admitir que o nosso António Jacinto tivesse exagerado, tal era a sua modéstia e a forma como encarava as suas responsabilidades. E que seria legítimo ter uma condição de vida pelo menos razoável, para continuar a entregar-se ao País como toda a vida o fez. Mas a verdade é que, de uma forma geral, era assim que as gerações que Jacinto atravessou encaravam a sua forma de estar na vida. Com a mais alta responsabilidade moral, ética, uma honestidade sem limites e a firme convicção de que o exemplo devia ser dado por eles mesmos, enquanto condutores dos destinos do país.

Podemos recuar um pouco mais e lembrarmo-nos de Ilídio Machado, de Mário Pinto de Andrade, de Joaquim Pinto de Andrade, de Lúcio Lara, de Viriato da Cruz, de Agostinho Neto. Independentemente de querelas ideológicas e diferenças que se tornariam irredutíveis no que dizia respeito às formas de conduzir a luta, tiveram em comum até ao final dos seus dias um traço que os definia a todos: o desinteresse por questões materiais para a sua vida individual e nunca terem tirado partido das posições que ocupavam para melhorar a sua vida privada ou familiar.

Era este um dos principais argumentos que o MPLA tinha, desde sempre, para convencer as populações e, posteriormente, mesmo depois da sua chegada a Luanda, para que, transversalmente, grande parte da sociedade angolana de então, olhasse para os Camaradas com respeito, admiração e uma esperança infinita.

A chegada à direcção do ex-movimento, então já transformado em partido, de duas novas gerações e os exemplos que conhecemos a partir daí, para além de ter marcado o princípio do fim de uma geração de políticos impolutos afastados pelo novo poder muito em razão de um "radicalismo" que não dava espaço para que, em seu nome se abrisse um caminho de acesso a direitos, privilégios e honrarias inaceitáveis (de que Paulo_Jorge terá sido o último "exemplar"), representou um corte radical com esse passado.

O novo poder, na generalidade de pouca consistência política, cultural, ideológica, mais preocupado com as vantagens de serem da direcção do partido e/ou do aparelho de estado do que propriamente em governar o país, (ou ter sequer alguma perspectiva do que isso era...) foi arrebanhando gente nova, que pouco mais havia feito do que demonstrar-se patriota em alguns momentos. Porém, um patriotismo já ferido de uma necessidade desmedida de se imporem, já não pelo exemplo ou pela manutenção do que já consideravam "velhos" hábitos, maneiras de estar e ser "ultrapassadas", mas pela urgência em deterem o poder económico a qualquer preço.

E com relativa facilidade - mesmo com muitos concidadãos políticos, militares, artistas, activistas cívicos ou até mesmo simples cidadãos no exercício dos seus direitos e deveres contra isso protestassem, com relativa facilidade escrevíamos, se deitou abaixo uma história de décadas e, pela via do populismo, da distribuição de benesses e a compra das consciências mais baratas, se desbaratou um capital que orgulhava os que estavam deste lado da luta, alguns dos quais, à sua maneira, tinham também entregue a sua vida à causa maior da independência de Angola.

Queremos acreditar que vai haver agora uma oportunidade de abrir um caminho novo, que forçosamente há-de levar algum tempo, mas que nos pode levar a mudanças profundas de paradigmas e a reabrir o caminho para repor tudo no seu lugar e voltarmos a poder ter alguma esperança outra vez.

*Extracto do poema "Aspiração" de Agostinho Neto