Um Estado laico define-se assim por não ter uma religião oficial.

A verdade, no entanto, é que as bruscas e desorientadas transformações impostas ao país no domínio da acumulação primitiva do capital, trouxeram em si uma política devastadora de aceitação tácita (e porque não dizê-lo, cúmplice) de um número inimaginável de seitas, pseudo-igrejas e simulacros de igrejas. Cujo modus-operandi consistia, e consiste em desviar as atenções das populações dos assuntos fundamentais das suas vidas, inoculando-as de um profundo sentimento de apatia, indiferença, incapacidade e vazio.

Se juntarmos a este papel pernicioso de gente sem escrúpulos o estado miserável da educação e do ensino, retornando a um grau assustador de iliteracia e da mais grave e profunda ignorância, acabámos por desembocar no quadro dramático em que vivemos.

Promovendo as mais descaradas falsidades, uma utilização criminosa da demagogia, uma verborreia de fácil assimilação, levam milhões de concidadãos ao engano e a um ainda mais grave estado de frustração.

Conseguiram assim, reunir os condimentos necessários para aprofundar e tirar partido da perda de um sentido colectivo e individual de dignidade, de consciência e de auto-estima das nossas comunidades, que se esqueceram da sua capacidade, do seu poder e entregaram ao desvario e ao assalto de uns quantos bandidos, a condução das suas vidas e dos seus quase inexistentes pertences.

A verdade é que esta gentalha foi actuando sempre em paralelo à prática então em vigor, de parte considerável dos políticos que acabámos por perceber, utilizavam essa fachada para serem empresários por conta própria, só com benefícios e sem nenhum tipo de responsabilidades.

Interessante também será, um dia estudar como, num ápice, a esmagadora maioria dos dirigentes político-partidários, se transformaram, de ateus ou religiosos não praticantes em crentes profundos, atentos, veneradores e em alguns casos fanáticos.

É claro que cada qual é livre de escolher a sua religião. O que já não é tão claro assim é a exposição pública, enquanto detentores de um cargo público, das suas escolhas religiosas.

Em alguns casos, chegámos mesmo ao fundamentalismo de se esquecerem - propositadamente, cremos - dos seus deveres perante a Constituição, seguindo a moda vigente do "Graças a Deus" da sua vida particular, transportando-o para o seu discurso público.

É bem verdade que não há nenhuma novidade neste "caldo" claramente engendrado entre política e religião. A História dá-nos exemplos sem fim de como, sem o controlo indispensável por parte do Estado, as duas sempre se aproveitaram para tirar partido uma da outra. Ambas em grande parte dos casos, tirando partido da incapacidade de respostas racionais por parte da esmagadora maioria das populações para os problemas que enfrentam. Ambas conjugando esforços para entregar às populações "à fé", convencendo-a que o direito a uma existência plena, digna e razoavelmente realizada, só é possível depois de estarmos mortos, sendo que, para lá chegarmos, é preciso que soframos quanto baste na nossa existência terrena. Ambas, cansando as populações, usando e abusando da sua ingenuidade, da sua boa-fé, mas principalmente da sua ignorância e do seu servilismo, sempre alimentado por quem detesta ver seres humanos de cabeça erguida, conhecedores dos seus direitos e deveres e em plena posse das suas aptidões mentais e culturais.

Em boa hora, temos a garantia de que o Estado angolano, através do Ministério da Cultura (entre outras instituições...), vai pôr "ordem no circo" e extirpar estes tumores que apodrecem ainda mais o já débil e complicadíssimo quadro sócio-cultural dos angolanos. Desde as escandalosas e pornográficas transmissões televisivas de aberrações supostamente religiosas, que configuram fraudes, mentiras, vigarices, extorsões, enganos sistemáticos dos fiéis às manifestações públicas e notórias de religiosidade por parte de entidades oficiais. Também esta promiscuidade tem de acabar.