Porque, quanto quase todos se calaram, assistindo ao desmoronar das juras e promessas feitas, manteve-se firme, sempre com a mesma modéstia, o mesmo sentido de cidadania e nunca em bicos de pés, foi denunciando o embuste em que nos estavam a meter.

Porque, quando as palavras perderam o sentido e foram esvaziadas pela opacidade dos actos, pela inutilidade das acções, pela instrumentalização de tudo, pelo manutenção de um discurso que estava nos antípodfas do que era a prática tornada comum, nunca se coibiu de chamar"os bois pelos nomes" e foi denunciando, nos lugares apropriados, a armadilha em que estávamos a cair.

Porque quando, bem no princípio, se começaram a afastar os melhores quadros, perseguindo-os, calando-os, em nome de uma legitimidade e de um curriculum que não tinham - nunca tiveram - defendeu-os até ao limite do possível até ser também afastado do centro da estrutura do poder político-partidário.

Porque, consumada a traição aos valores e aos fundamentos de um combate cívico, político, cultural e militar de muitas deácadas, se recusou a manter-se ao lado dos que entendia serem então já seus ex-camaradas, desvairados e de cabeça perdida, graças às facilidades garantidas e aos caminhos da abundância excessiva, abertos sem rigor, sem lei e sem regras.

Porque, em meio à cobardia, ao medo, à delação, reduzidos à insignificância em que quiseram e conseguiram colocar tanta gente boa, a sua voz nunca se calou. Sem demagogias, com a sua proverbial ponderação, apontado sem titubear os reais causadores do que se estava a passar.

Porque, nos momentos cruciais, nunca deixou de ser fiel aos seus princípios, aos compromissos assumidos com a nossa História, com a ética republicana e com as sucessivas promessas feitas às angolanas e aos angolanos.

Porque, em posições sucessivas de direcção, não o vimos nem ouvimos jamais, ao contrário do que já se tinha tornado comum, ser arrogante, levantar a voz, maltratar um subordinado ou apequenar os que hierarquicamente de si eram subordinados.

Porque, de viva voz, e em obediência única e exclusivamente à sua consciência, não se coibiu de apontar os responsáveis pelo desnorte em que vivíamos e ainda assim, sem defesa ética e moral que tivessem, o empurraram para embaixador, numa política de "quanto mais longe, melhor".

Porque, em meio à sordidez das alianças oportunistas, da imposição de uma maneira de estar, de ser e de (des)governar que não a sua, em momento algum deixou que se pusesse em causa a sua honradez, a sua verticalidadem a sua coerência.

Porque, nunca cedendo a pressões, cedo e rapidamente compreenderam que não "estava à venda", e que seria impossível, por via das benesses inacabáveis e injustificáveis, mesmo em nome de um suposta "dignidade", mudá-lo naquilo que era a sua essência, a sua maneira de ver a vida e a perspectiva que tinha de uma Angola próspera, soberana e igual para todos

Porque o seu caminho já era longo, feito de inúmeras dificuldades e escolhos, que o humanizaram, o prepararam para ser um servidor do estado e do partido em que militou mais de quatro décadas, sem lhe passar sequer pela cabeça o que iria ter como contrapartidas financeiras e materiais em razão dos sacrifícios porque passara.

Porque se tornou um exemplo, ainda em vida, quando a esmagadora maioria se curvava e andava aos salamaleques, mentindo-se a si próprios e mentindo-nos a nós todos e disse o que tinha de dizer, no momento certo, na hora exacta, demarcando-se mais uma vez dos que preparavam, alguns até provavelmente sem noção da gravidade do que faziam, o afundamento desta nau chamada Angola.

E porque foi a tempo, felizmente para nós, de assistir à vitória da razão sobre a loucura, ao triunfo da verdade real sobre fábulas de que todos já escarnecíamos, tendo a noção, por isso, que o seu esforço, a sua tenacidade, a sua coragem e o facto de ser um homem impoluto não foram em vão.

Até sempre, Camarada Ambrósio Lukoki!n