Infelizmente, a mesma frase pode ser usada para toda a história congolesa. O país não teve ainda momentos de felicidade ou de glória. Dos três "presidentes" que o país já teve, dois foram assassinados e um morreu no exílio.

Se a morte não tem sido simpática para os presidentes, para o povo é a vida que o não tem sido. O país está nos últimos lugares do índice de desenvolvimento humano - 77% dos 80 milhões de congoleses vive abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial. Cerca de 37 milhões não tem acesso a água potável, um número especialmente preocupante devido aos casos de ébola. A população jovem, com menos de 25 anos, representa 60% do total. No entanto, os jovens congoleses, ao contrário da maioria do mundo, quase não têm acesso a um bem essencial do século XXI - a Internet só chega a 4% da população. Viajar entre províncias é quase impossível devido à inexistência de estradas, uma política que acabou por ser uma estratégia para dificultar a chegada das forças inimigas à capital. O gigante país tem, por isso, pouco mais de 2000 quilómetros de estradas pavimentadas.

O fracasso da política e do desenvolvimento do Congo foi por vezes negado ou falseado no jogo da diplomacia internacional.

Foi assim na governação de Mobutu apresentada, durante anos, no Ocidente como um sucesso. Não era o caso, claro. Mas vivia-se a Guerra Fria e o mundo Ocidental precisava de um líder africano como seu amigo. Mobutu desfilava em visitas oficiais junto dos presidentes dos Estados Unidos e de países europeus. Mobutu era apresentado por Mitterrand, por Bush, pela Thatcher, por Mário Soares, como "Mon ami President". A falta da liberdade, de democracia e as mortes e perseguições eram convenientemente esquecidas nos elogios ao grande líder africano.

A Guerra Fria terminou e a guerrilha venceu as forças de Mobutu. O mundo e as alianças realinhavam-se. Em 1996, Laurent Kabila, apoiado pelos países da região, assumiu a presidência e o velho Mobutu morreu no exílio. Laurent Kabila foi assassinado em 2001 pela sua própria guarda. Dias antes teria assistido ao fuzilamento de 47 das suas crianças soldado. Eram as suas próprias crianças-soldado os seus maiores inimigos, facto negado por ele próprio por se achar a figura pai destes militares de palmo e meio.

Chegámos, assim, ao segundo momento em que o mundo precisava e queria à força que fosse um momento de sucesso da história congolesa: eram as primeiras verdadeiras eleições em 46 anos. Estávamos em 2006 e eu integrava a larga equipa de observação eleitoral das Nações Unidas/UE. Havia um entusiasmo geral, apesar do risco de violência no leste do país devido à presença de guerrilhas e grupos armados. O mapa na sala de logística da nossa missão dividia por cores os locais de risco e não-risco de violência, os pontos vermelhos, símbolo de alto risco, quase que ganhavam aos sem-risco ou de risco reduzido.

Estas eleições tinham de ser um sucesso. A diplomacia regional e internacional precisava deste caso de sucesso. Existia a esperança de ser um novo começo. E foi um sucesso tendo em conta a história e as condições do país. Todo o país votou. Não houve incidentes maiores. Houve só um acidente, numa única aldeia, insignificante tendo em conta a dimensão do país. Só nessa aldeia não se votou, pois a população destruiu todos os locais de voto. A polícia congolesa respondeu com tiros aos paus e às catanas. A equipa da ONU (eramos três) ficou mais de 24 horas cercada pelo combate entre a polícia e a população. Mas, como foi repetidamente explicado, foi só uma aldeia e Kinshasa nem este incidente queria revelar. Havia muitas centenas de feridos, mas mortos seriam "apenas" um ou dois. Continuava a ser mais importante não prejudicar a versão do sucesso. Soube depois, já em Kinshasa, que, estava eu ainda sob os tiros, já a Eurodeputada portuguesa Ana Gomes dizia, na capital do Congo, que estava tudo controlado e que a observadora portuguesa (eu) estava bem. Era sintoma da obsessão dos vários autores em ter uma história de sucesso e a errada teimosia em dividir os actores políticos entre bons e maus.

As eleições davam a vitória a Joseph Kabila, mas Jean-Pierre Bemba contestava os resultados.

Ainda com as nódoas negras dos tais incidentes rotulados oficialmente de não-importantes, testemunhei na capital a crescente tensão e receio de violência com o anúncio dos resultados. Sabia-se que apoiantes de Bemba começavam a organizar-se pelos bairros da cidade. Temiam-se confrontos. Foram horas e dias de tensão crescente e de incerteza. Felizmente não houve violência. O sucesso podia ser celebrado. Faltou dizer que o sucesso da eleição foi a violência ter sido controlada e isso foi graças ao candidato derrotado. Bemba não só não incitou à violência como apelou à calma.

É este mesmo Jean-Pierre Bemba que, após 10 anos, volta ao país e que, à partida, poderá ser candidato.

Apesar dos consecutivos adiamentos das eleições, espera-se que se realizem ainda este ano. A seis meses das eleições não se sabe ainda se Kabila irá insistir em ser candidato e se Bemba poderá ser candidato. Temos por isso em aberto três cenários possíveis de combinação: Os dois candidatos serem candidatos ou dos dois apenas um deles ser candidato.

Se Jean-Pierre Bemba for candidato e se pretender reconstruir o país deverá congregar e negociar com outras forças da oposição. De recordar que os partidos no Congo não são como em Angola, não há partidos fortes nem no governo nem na oposição. Fruto da história do país, a política faz-se sobretudo à volta de um mão cheia de indivíduos com capacidade de uso da "força". Até agora em toda a história do país ganharam as armas, nunca as ideias. Esta próxima eleição será ainda nesta premissa. Se acontecer sem violência será já um sucesso, mas não se exagere na celebração do sucesso e no rotular do vencedor como o salvador. Não será santo, será apenas momentaneamente menos diabo que os outros.

Para já, Kabila parece cada vez mais impopular e os países vizinhos, mesmo os que eram seus amigos, dão sinais de que a paciência terminou. Nada de novo. A história congolesa ensina que os presidentes não são eternos e que as suas amizades internacionais rapidamente viram as costas ao primeiro vento contrário.

O jogo político para as próximas eleições já começou e nesta fase vence a oposição e a Igreja, perde Kabila. O xeque-mate ocorreu em 2016 com a vaga de manifestações contra Kabila. Foram dias de violência descontrolada. Os vencedores perderam dezenas de apoiantes que morreram nos confrontos, mas Kabila recuava na tentativa de fazer a mudança constitucional. O rumor da vontade de Kabila em mudar a Constituição para concorrer a mais um mandato existe até hoje, mas é mesmo por isso que é uma derrota, são dois anos em que não conseguiu passar de um rumor. Pode ser que a história do país fracassado tenha começado a mudar com esta pequena vitória.

*Politóloga e membro da equipa de observação eleitoral da ONU/UE às eleições da DRC em 2006