Ao longo destas mais de quatro décadas fomos tendo, com pouquíssimas excepções, um retrato absolutamente desastroso no que diz respeito aos sucessivos governadores provinciais, desde o tempo dos comissários provinciais. É verdade que condicionalismos de ordem histórica e política também contribuíram para isso. Mas chegou o momento em que, se queremos lançar as bases de uma transformação estrutural da governação, é preciso pôr cobro a isso e deixarmos os partidos, quaisquer que sejam, tratar das suas questões olhando para o país, e matando a velha e miserável herança de que "Angola é Luanda e o resto é paisagem".

Se, nos anos subsequentes à independência, por muitas e variadas razões, havia a necessidade real de ter o país sob controlo, dadas as circunstâncias graves e históricas em que vivíamos, hoje já não é aceitável que tenhamos à frente dos governos provinciais cidadãos que nunca deram a mínima prova de dominarem os segredos de uma gestão virada para o futuro, não tendo sequer em mente vários factores que são fulcrais para uma boa governação.

Desde logo, o conhecimento real de aspectos históricos, sociológicos e da realidade económica que vão enfrentar. Depois, deixarem de acreditar que a governação fingida, palaciana, em que se cuida de meia dúzia de localidades de forma apressada, quando é anunciada a visita de alguém, não vai chegar ao fim. E, finalmente, que venham a ser nomeados quadros que tenham noções já não apenas básicas do que vão dirigir, de como vão dirigir, do que precisam para dirigir e como podem criar as melhores condições para o fazer.

Luanda - sempre Luanda - é bem o resultado dessa desgovernação generalizada, dessa incompetência doentia, desse desleixo absoluto, ao vermos a quantidade de concidadãos que continuam sistematicamente a vir para a capital, a aumentar as dificuldades que vivem e a ajudar a piorar as condições de vida dos que cá estão. Quando, em circunstâncias normais, devia estar a suceder exactamente o contrário. Já tínhamos de estar numa fase de desenvolvimento de, quer ao nível das nossas populações quer ao nível de quadros intermédios e de topo, ter condições e, por conseguinte, vontade, de ir abandonando Luanda e aceitar de bom grado ir trabalhar para qualquer província do país.

E, ao mesmo tempo, as províncias ajudariam, por via do seu progresso e desenvolvimento, a reduzir a população em número assustadoramente gigante que vive na Grande Luanda e que a cada dia que passa vai crescendo.

As instituições do poder central têm de levar este assunto muito a sério. Olhar para o país, ter uma noção real do que cada província pode exigir, a médio prazo, de quadros, de técnicos especializados nas mais variadas áreas e programar, de forma organizada e paulatina, o preenchimento do quase absoluto vazio que vive quase toda a extensão do nosso território. Vazio de ideias, de projectos, de criação de condições que permitam, numa primeira fase, organizar e depois estruturar planos concretos de desenvolvimento em função das realidades que conhecemos de todo o país.

As esperanças nascidas com as garantias de uma nova governação, de um novo olhar sobre a nossa realidade, têm de ter continuidade com medidas cirúrgicas que provem que há realmente vontade de mudar. Definir as políticas de desenvolvimento e entregá-las a um militante fiel, mas que não tem a mínima noção do que seja gerir, criar laços com toda a sociedade, conhecer os sítios que governa como a palma da sua mão, as suas especificidades, como acelerar a resolução de alguns problemas básicos das populações e ter um papel que congregue os cidadãos, é o mesmo que nada e leva-nos a retroceder ainda mais do que já retrocedemos. É preciso, pois, que se pense, com alguma urgência, na mudança do paradigma que se mantém incólume entre nós, de olhar para o resto do país sem ter a consciência de que é possível resolver muita coisa e acelerar o passo, sem a total subserviência ou dependência de Luanda.