Não podemos deixar de ficar preocupados com a sistemática ausência das organizações que hoje constituem o que chamamos de sociedade civil, com notórias excepções. Lembramos a acção coerente, insistente, madura e séria da ADRA, da Mosaiko, só a título de exemplo. Porém, não podemos deixar de ficar seriamente preocupados quanto à acção de outras organizações, algumas já com décadas de existência, a quem não vemos que mexam um dedo para ajudar a criar um ambiente propício que permita a intervenção cívica de um sem-número de pessoas, todas elas interessadas em ajudar à solução de das dificuldades que enfrentam as nossas comunidades.

Por mais que os detractores do sistema de partido único que vivemos não gostem de o lembrar, não temos como não recordar o activismo da União dos Escritores Angolanos, a acção da União Nacional dos Artistas Plásticos ou até mesmo da União Nacional dos Artistas e Compositores, hoje num processo acelerado de autofagia, como se os interesses dos poderzinhos que detêm alguns em detrimento de outros, fosse mais importante do que a sociedade angolana em geral e os criadores em particular. Podíamos lembrar dezenas de debates, alguns deles particularmente vivos e agressivos, nunca ultrapassando as regras da convivência e do respeito pela opinião alheia, a que assistimos na UEA, ao longo do final dos anos 70 e durante os anos 80 e que levaria, também em consequência disso mesmo, ao surgimento de vários núcleos culturais e associativos muito activos e democráticos.

É verdade que, na esteira do que afirma o brilhante sociólogo António Firmino da Costa, "processos de transformação estrutural das sociedades, tais como os que estão ligados à inovação tecnológica, ao desenvolvimento dos sistemas de ensino e de segurança social, às mudanças nos mercados económicos, aos movimentos migratórios, ou outros, implicam igualmente transformações na composição social da população, e nas relações entre os seus diferentes segmentos".

O drama angolano é que a percentagem ainda reduzida dos que têm acesso a estes benefícios não põe as graves dificuldades da esmagadora maioria das populações no mapa, tendo nós de manter vivas as formas mais básicas de discussão dos problemas e das ideias concretas para a sua resolução.

A margem de manobra dos poucos que têm uma consciência suficientemente madura e preocupações reais para ajudarem a conduzir à solução (e não estar permanentemente com a eterna política do bota-abaixo), e cuja presença, por exemplo, nas redes sociais, é muito positiva e importante, tem ser estendida ao contacto físico, à conversa olhos nos olhos, até mesmo à explicação de forma simples e pedagógica da realidade, para quem a vive e pode encontrar resultados imediatos para algumas das dificuldades do quotidiano, sem necessidade de grandes conversas ao nível macro nem discussões teóricas, muitas vezes estéreis e sem resultados que se vejam. Sejamos claros.

As mudanças urgentes de que Angola precisa não podem, como pensam os mais incautos (ou os que o fazem com intenções que estão à vista de todos), assentar nos ombros de um só cidadão, a quem é fácil e cómodo culpar individualmente por não estarmos a andar mais depressa do que devíamos. A responsabilidade é colectiva. A culpa também é nossa. Os umbigos de uns quantos não se podem sobrepor ao empenho colectivo de todos, em particular os que continuam a ser um exemplo de buscar soluções em lugar de criar mais problemas.