Em Angola, a nossa maneira de ensinar não estava preparada para a distância, a nossa maneira de honrar os mortos não estava preparada para as limitações/proibições de ajuntamentos e actos afectivos de consolo. Os pouco conhecidos teletrabalhos e teleaulas passaram a ser um elemento do quotidiano em termos de gestão laboral e doméstica. Entrevistas, reuniões, palestras e conferências on-line passaram a ser a regra, e o próximo passou a estar mais distante. Palavras e expressões novas passaram a fazer parte do nosso léxico, designadamente: pandemia (foi a palavra do ano em Angola), confinamento, distanciamento social, vírus, Covid, quarentena, casos suspeitos, casos dos casos, cerca sanitária, comorbilidades, circulação comunitária, entre outras. "Fica em casa" e " Fique em casa" foram uma espécie de "frases de ordem" que as duas principais estações de televisão do País (TPA e TV Zimbo) transmitiam com efeito pedagógico, a fim de se evitar que os cidadãos se colocassem na arena privilegiada do vírus: a rua. 2020 foi, também, um ano em que percebemos que não estávamos preparados para ficar tanto tempo em casa, mas que a nossa casa era ainda o lugar mais seguro para se estar. "Que a vacina seja efectivamente o princípio do fim desta pandemia"!, escreveu um amigo no início deste ano. Em 2020, a boa notícia no meio de tudo isso foi o surgimento das vacinas. A China anunciou o início da vacinação em Julho de 2020 e, até 31 de Dezembro último, foi o país que mais doses havia administrado: foram 4,5 milhões de doses (Os EUA com 4.225.756 e Israel com 1.090.00 eram os países que tinham ultrapassado a barreira de 1 milhão de doses), segundo o site brasileiro "Poder 360", citando o levantamento feito no Our World in Data. Os EUA testaram a 14 de Dezembro, a Rússia a 15 de Dezembro, a União Europeia a 27 de Dezembro e a Índia começou no início de Janeiro deste ano. Na União Europeia, 25 dos 27 países-membros iniciaram o processo de vacinação, a Irlanda e a Holanda ainda não começaram a vacinar os seus cidadãos. A Holanda adiou a vacinação contra a Covid-19 e criticou "a pressa" da União Europeia. Dizem que "é preciso encontrar um caminho seguro". Israel iniciou a vacinação contra a Covid-19 a 20 de Dezembro. Com mais de 9 milhões de habitantes, o número de pessoas imunizadas até ao momento em Israel já corresponde a mais de 10% da população (no dia 01 de Janeiro, o país alcançou a marca de um milhão de imunizados), e, segundo as autoridades locais, pelo menos 40% da população acima de 60 anos já receberam a primeira dose da vacina. Há já mais de 12 milhões de doses aplicadas e vacinação em cerca de 50 países. BioNTech - Pfizer (Alemanha e EUA), AstraZeneca - Universidade de Oxford (Reino Unido), Moderna (EUA), Sputnik V (do Instituto Gamaleya da Rússia) e Coronavac da Sinovac (China) são as vacinas que estão a ser aplicadas num verdadeiro jogo de procura-oferta, forte exposição mediática, interesses políticos, económicos e corporativos à mistura, sem esquecer as preocupações éticas e de saúde pública que já se vão levantando.

Em África, os dados sobre a aquisição, transportação, manutenção das vacinas, bem como os respectivos processos de vacinação não são amplamente discutidos, abordados e questionados dentro dos próprios países. A iniciativa global Covax (OMS) prevê distribuir cerca de dois mil milhões de doses da vacina até ao final de 2021 (os primeiros lotes devem chegar já no primeiro trimestre deste ano), de forma a imunizar 20% das pessoas mais vulneráveis em 91 países pobres em África, Asia e América do Sul. Marrocos já terá adquirido 65 milhões de doses da vacina e pretende imunizar 80% da sua população de forma gratuita. O Egipto anunciou que pretende começar já neste mês (Janeiro), tal como pretende a África do Sul. Moçambique prevê iniciar a vacinação em Julho, tendo já identificado os grupos prioritários. Angola prevê começar já em Fevereiro, tendo o Ministério da Saúde identificado os grupos prioritários. O País espera receber 12 milhões de doses, para vacinar pelo menos seis milhões de pessoas (Angola tem mais de 30 milhões de habitantes). Entretanto, o líder da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo (Tocoísta), D. Afonso Nunes, considerou "ilusória" a cura da Covid -19 apenas com a vacina. Diz "desconfiar da eficácia " das vacinas e que os fiéis "saberão escutar" o seu pastor. Sendo, desde já, uma situação que pode complicar os esforços e pretensões das autoridades sanitárias angolanas que pretendem avançar ainda este ano, talvez seja imperioso passar da fase do monólogo institucional para o diálogo nacional em torno do processo das vacinas (aquisição, transportação, armazenamento, transporte no País, estratégia e plano de vacinação, campanhas de esclarecimento e de sensibilização).

Não pode existir apenas um monólogo da parte da classe política. É preciso que os profissionais de saúde e respectivas associações, os investigadores, a classe científica e académica, os jornalistas, entre outros, sejam actores e promotores do diálogo em torno de algo que vai marcar as nossas vidas em 2021. A comunicação social não se pode esquecer do seu papel e da relevância do tema, devendo promover debates, discussões e análises sobre o assunto das vacinas. Não deve aceitar ou assumir o papel de agente passivo da acção, servindo apenas como meio de divulgação ou propaganda de certos monólogos institucionais. Deve sair do conforto dos solilóquios, romper a barreira dos monólogos e ser um importante promotor daqueles que passo a chamar de diálogos da vacina.