Esse direito viria a ser consignado na carta das Nações Unidas.

Não admira, por isso, que os territórios colonizados viessem depois a alcançar independências, sendo que em África o primeiro país a obtê-la foi o Gana, em 1957.

Perante este quadro mundial, o regime político de Portugal, que negava esse direito às colónias, passou a sofrer pressões para alterar a política e encetar processos de descolonização.

É útil recordarmos que em 1961 já existiam, em África, 17 países independentes.

John Kennedy, que viria a contrariar a política colonial portuguesa, é eleito a 21 de Janeiro desse mesmo ano.

No dia seguinte à eleição, numa operação denominada "Dulcineia", o paquete português Santa Maria é assaltado por portugueses que estavam contra o regime, dirigindo esse assalto com cidadãos também de outras nacionalidades.

O propósito era fazer chegar o navio a Luanda e aí encetar um processo de destituição de Salazar.

Este facto deu lugar à imediata deslocação de jornalistas de todo o mundo para Luanda para cobrirem o acontecimento.

Não se pode deixar de registar que nesse mesmo mês de Janeiro, mais propriamente dia 11, trabalhadores agrícolas da empresa Cotannang, no Norte de Angola, sublevaram-se face às condições de trabalho, inclusive as baixas remunerações, sendo reprimidos e muitos deles massacrados.

Segundo alguns historiadores, o assalto ao paquete Santa Maria ao desencadear a deslocação de inúmeros jornalistas para Luanda de conceituados órgãos de comunicação social, fez acelerar o assalto para o dia 4 de Fevereiro a vários estabelecimentos prisionais ou policiais, desde logo a Casa de Reclusão Militar de Luanda.

Como se sabe, por contingências do assalto, o Santa Maria acabaria de ter de alterar o destino projectado pelos insurrectos aportando ao Recife no Brasil.

É obviamente inegável que os angolanos que corajosamente se levantaram contra o regime colonial em Luanda, em 4 de Fevereiro, tinham por objectivo colocar em causa esse regime e lutar pela independência do país.

Quinze dos duzentos assaltantes pagaram a ousadia com a vida contando-se ainda sete mortos nas forças de segurança.

Na passagem dos sessenta anos do 4 de Fevereiro, que este ano ocorre, deve-se realçar que o que uniu os cidadãos angolanos ao ousarem confrontar, em manifesta desigualdade de meios, as forças ao serviço do colonialismo foi o facto de serem angolanos e o desejo de passarem a ser livres na sua própria terra, assumindo o destino dela.

Não é hoje claro que todos eles fossem militantes ou simpatizantes do então movimento que, a partir da direcção no exílio em Conacri, declarou ter organizado a insurreição embora se saiba que alguns deles o pudessem ser.

Na altura, por já existir outro partido, é de presumir que alguns também fossem simpatizantes deste.

Todos, porém, estavam unidos por um ideal comum.

A tese entretanto defendida por alguns historiadores de que o papel determinante para o assalto partiu do cónego Manuel das Neves, conhecido nacionalista e por isso anticolonialista, que dois meses depois se viu pela força exilado em Portugal, parece hoje não ser exactamente correta apesar do conhecimento antecipado do assalto e da cumplicidade quanto aos objectivos.

Ao sublinhar nesta data a importância para Angola do dia 4 de Fevereiro desejo reiterar que o que uniu os duzentos assaltantes foi o facto de serem angolanos, desejando viver numa terra livre e não sob exploração.

É esta referência à unidade de pensamento e de acção que deve ser tida em conta, independentemente da origem étnica, cultural ou de eventual filiação ou não dos assaltantes em organizações partidárias.

Eram angolanos, ponto final.

Tal como sucedeu em 25 de Abril em Portugal, tiveram a solidariedade maioritária do povo português através dos corajosos patriotas que assaltaram o paquete Sana Maria, conscientes que o regime colonial português a todos os povos colonizados oprimia mas também o povo português.

O dia 4 de Fevereiro é, por isso, e bem, considerado feriado nacional que deve ser festejado por todos os angolanos, continuando os portugueses solidários com a esperança de um futuro radioso para os angolanos.

Como disse Amílcar Cabral, na luta pela independência há que distinguir o regime colonial do povo português, solidário com a luta que então se travava.

O paquete Santa Maria e o 25 de Abril de 1974 são prova do acerto do sentido desta frase.n