Vem isto a propósito da capacidade inventiva dos angolanos que, sem pressões e liberta, na sua essência mais profunda, tem dado origem a verdadeiras obras de arte. Um exemplo magnífico é a forma como todos nós fomos angolanizando a língua portuguesa e fazemos dela cada vez mais uma das bandeiras que nos une, nas nossas diferenças e nas nossas especificidades. E, em simultâneo, com a imposição de valores que, à partida, não faziam parte da nossa matriz, deram origem a uma sociedade que, nos seus diferentes níveis, se defendia com o humor popular, com "esperanças idosas" (lembrando Teta Lando), mas também pela via do resguardo, do medo, do silêncio.

Até mesmo aqueles a quem podemos chamar de integrantes de uma certa elite do ponto de vista cultural reaprenderam a medir palavras, intervenções, autobloqueando muitas vezes a fundo o centro da sua actividade - a criatividade -, afectando um movimento cultural diverso e rico que se estendeu durante as primeiras duas décadas da nossa Independência pela Literatura, pela Música, pelas Artes Plásticas, pelo Teatro, pela Dança, para só falar de alguns dos fenómenos culturais que em Angola sempre tiveram o seu espaço, respeitado e considerado.

Rapidamente este quadro - acompanhando as opções económicas pelas quais pagamos o preço que estamos a pagar - foi revertido, dando origem, em meia dúzia de anos, aos "fazedores de qualquer coisa". Nunca foram nem são Escritores. São "fazedores de livros". Nunca foram compositores, intérpretes, letristas ou instrumentistas. "Fazedores de música", pois claro. Os artistas plásticos desapareceram, dando lugar a "fazedores de pintura".


A mediocridade transformou transversalmente a esmagadora maioria das Artes.
A comunicação social pública (rádio, televisão, imprensa) atingiu níveis de mediocridade jamais vistos em Angola. Levando a que a maioria dos verdadeiros criadores e criadoras escolhesse uma de três opções: o silêncio, a desistência e alguns (poucos) a insistência, a teimosia e a coragem, sabendo que seriam de algum modo ostracizados, pelo facto de o que produziam não se encaixar nos parâmetros determinados por alguns "iluminados" que conseguiram que estejamos hoje num estado absolutamente lamentável no que ao exercício das múltiplas actividades culturais diz respeito.

Evidentemente que há sempre, para bem da comunidade, os que resistem, teimosos e perseverantes, lúcidos e muitas vezes sozinhos, postos a um canto como se de figuras estranhas se tratasse, e pagando muitas vezes um preço muito alto, pelo simples facto de se manterem como eram, como são e como irão ser. Sempre. Criadores. Participantes activos e interessados. Criadores (e criadoras, já agora). Que gostam da sua Terra, que a amam, que dela não se apartam nunca, mesmo quando distantes. Por vontade própria ou levados pelo desencanto, pela dor, por aquilo que repetidamente soa aos nossos ouvidos de alguns Mais-Velhos: "Não foi nada disto que combinámos..."

Enfim. Eis-nos a começar a cruzar novos mares, sem essas tempestades, sem Adamastores e com o grato prazer de poder considerar que quem pega agora no leme sabe interpretar os sentimentos e vontades da esmagadora maioria da nossa população e mostra sabedoria, tranquilidade, inteligência e vontade de remarmos todos a caminho de novos portos. De um futuro que acinzentava e magoava os sonhos mais antigos deste pedaço de terra que é o nosso, onde nascemos
e onde queremos terminar os nossos dias. Aos que não pararam de criar, que se mantiveram firmes na defesa e enriquecimento do nosso património imaterial, que se resguardaram na qualidade e na criatividade, ultrapassando-se muitas vezes a si próprios(as), aqui fica o recado: Estejam tranquilos. Não ficarão na História como "fazedores". Esses são "os outros". Os "fazedores" de coisa nenhuma.