Perante esta definição - discutível como certamente todas as outras - mas que pode ser um bom ponto de partida para qualquer tipo de discussão, e olhando para o que há mais do que uma boa dúzia de anos vimos vivendo no nosso país, facilmente se conclui que, das estruturas partidárias oficialmente organizadas e reconhecidas pelas instituições competentes, a esmagadora maioria vem vivendo do inverso de qualquer definição próxima da por nós apresentada, citando Guy Rocher.

A total ausência de pressupostos ideológicos, mesmo aventurando-se ao ponto de, para consumo externo, integrarem blocos partidários internacionais, esvaziou qualquer possibilidade de debate, de discussão séria e construtiva, dado que a prática política demonstrada tem sido comum a quase todos. Por mais que uns se vão travestindo de "socialistas democráticos" e outros de centro-direita, a verdade é que nada têm para nos dar.

Há anos que não ouvimos um discurso de um dirigente partidário que nos consiga explicar como, auto-denominando-se de sociais-democratas, perseguem uma política económica de cariz absolutamente direitista, sem quaisquer preocupações para com os mais desfavorecidos e sem darem o mínimo de importância que seja, às desigualdades sociais. Há anos que não sabemos da existência de um "cérebro" que seja, que tenha a capacidade de recuperar a trajectória seguida depois de décadas pelos principais actores políticos angolanos.

Todos querem debater, todos se põem em bicos de pés, todos gostam de fazer passar a imagem de gente esclarecida e, na sua esmagadora maioria, são absolutamente incapazes de se definirem do ponto de vista ideológico.

Na sua maioria, e para nossa profunda tristeza e decepção, foram vagueando pelo seu próprio vazio e pelo enorme buraco cheio de nada em que as forças partidárias se transformaram, debitando intervenções encomendadas, recados mais ou menos directos, eles próprios absolutamente perdidos por não saberem o que estão a defender, para além de interesses individuais e/ou de grupo. Uma espécie de gente que, exactamente pela sua vacuidade, pela persistente e insistente falta de estudo, pela sua ignorância, pela sua falta de patriotismo, pela falta da mais elementar honestidade intelectual, já foi marxista e anti-marxista, já foi ateia e o seu contrário, já fez juras comunistas e agora se agacha todos os dias para qualquer hóstia que lhe apareça à frente. Já foi anti-imperialista e adora os Estados Unidos, já legitimou o poder popular e agora faz fila para os cházinhos ridículos e hipócritas que fazem lembrar a ida das antigas senhoras da burguesia colonial e nacional do outro tempo, aos hospitais de todo o país, para oferecer flores, lanches e sorrisos aos integrantes do exército colonial.

E vêm sendo assim toda a vida. Subiram aos mais altos patamares da vida política e partidária. Passeiam o seu oportunismo, a sua ignorância, quando mais longe da "populaça" melhor, para, sem qualquer rebate de consciência, estarem distantes de onde vieram, tentando apagar o que é impossível, ainda que com palacetes e lexus e luxos e guardas e muros e condomínios e mordomias mil: a sua origem real. De onde vieram, o que diziam ser antes de chegarem às cercanias do poder e no que se transformaram. E o pavor que possa chegar um dia em que lhes peçam contas; em que se lhes pergunte como chegaram ali. Que preço pagaram? A que se dispuseram?

Essa aparente e só aparente ausência de ideologia, que esconde definições ideológicas concretas, sem subterfúgios nem falsas definições, não andam longe de alguns compatriotas que nos distantes anos 30, 40 e 50 do século passado, debaixo de uma capa de pseudo-patriotas (ou nacionalistas, como se definiam à época), não tiveram nem escrúpulos nem dificuldade nenhuma de se aliarem ao nacionalismo imperial de Salazar, gritando pela necessidade da autonomia angolana e agachando-se à já então ridícula tríade de "deus, pátria e autoridade", hoje recuperada sob várias bandeiras, ao ponto de se vestirem com capa de progressistas, defendendo e praticando o autoritarismo em nome dos mesmos valores de sempre. Subir na hierarquia a qualquer preço, ascender socialmente sem olhar a meios e manter-se no poder, de preferência para todo o sempre.