Há cerca de duas décadas, Paulo Flores brindou-nos com uma obra discográfica que para muitos é das suas melhores, por motivos vários, sendo a mensagem passada o factor mais sonante. Paulo oferece a sua maneira ritmada na serenata um retrato de como se vivia na altura, como e qual era a luta do pacato cidadão para conseguir sobreviver com o seu coxito salário que nada valia, a não ser se fosse em dólar, pago por um salo em que ele não se sentia valorizado, tanto que mesmo antes do fim da semana já não tinha kumbu e resultado era chupar um quimbombo ou maruvo vindo de lá até cair de torto a bolsar as mágoas que tentou afogar a desgosto da garina que abraça mixoxos e olhadas embrulhadas em pragas e orações.

O álbum tem 12 músicas que encantam as makas e as esperanças desse povo heróico e generoso que continua na mesma luta, como se o Perto do Fim fosse feito hoje, com excepção (talvez) da paz que chegou. Do resto tudo igual, o dólar continua na sacola de uns corrompidos exploradores dos oprimidos que se regalam a ver o mbuku na vaiola (hoje no kuduro), enquanto brindam as princesas com tudo e as titias com kubicos desviados por patifes que deixam os ndengues fora da escola e da lei, mas no fim-de-semana o mufete e as quizombas nos quintais continuam, onde damas com mbundas grandes fazem a delícia dos madiés até não haver mais nada para dizer, nada para contar, porque quase nada mais os cacimbados pensam esperar, até a esperança antiga já virou cantiga cantada vezes de mais em descrédito.

Essa obra começa com a crise que já assolava mesmo sem ser anunciada oficialmente por quem não sentia e, se calhar, continua a não sentir o cafrique desse aperto. Como vai, mana Xiquita? vem mostrar que as coisas não iam bem, e continuam a não ir bem, pelo menos com o mano da mana. Com a mana não sei, porque ela nunca respondeu, quiçá um dia o Paulo cante a resposta da mana. Vamos continuar a quinguilar nos dias em que o jantar vem de kixikila, um dia sim, outro dia não, para tentar entender o mano da mana cuja filha, hoje manga de 10, anda na rua desconhecida, tropeçando, e cujo filho, agora "pelendoce",querem que entre p"ra lei onde o vengó se encontra, enquanto continua a tentar descobrir como é que a dama se engravidou. Será por espírito ou água do rio? O madié sente-se à toa, um avilo cujo salo não tem valor e o salário menos ainda. Essas dicas me fazem, vinte anos depois, sentir que estamos iguais ou piores, com muito sofrimento, que já é demais para quem sofre, mas parece ser de menos para quem lá de cima manda bocas virtuais luxuosas à nossa custa, a arrotar atum e moets. Esse som faz desconfiar que o Paulo é vidente ou a música é intemporal ou, se calhar, os nguvulos dessa banda mesmo é que nada... não ajudam.

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