Tais conceitos resultarão, porventura, da sensação desgastante (para quem manda e para quem é mandado) de que o exercício do poder se transformou, como o define Daniel Innerarity, "numa actividade pouco inteligente, de curto alcance, mera táctica oportunista, repetitiva até ao aborrecimento, rígida nos seus esquemas convencionais e que só se corrige por algum cálculo de conveniência...".

É verdade que, do ponto de vista da nossa História e da lógica do nosso processo político e militar, aprendemos a cultivar uma cultura a todos os títulos errada: a dos chefes providenciais, de quem todos dependemos, alargando esse conceito a toda a sociedade e acabarmos por integrar uma sociedade doente, onde, do mais alto até ao mais baixo escalão, vem vencendo sempre essa estratificação que cultua os chefões, os chefes e os chefitos, desresponsabilizando a comunidade e retirando-nos a consciência dos nossos deveres e das nossas responsabilidades. Mas também dos nossos direitos e das nossas prerrogativas enquanto legítimos possuidores do direito mais básico e mais importante de todos: o direito à cidadania e ao seu exercício efectivo.

É claro que, como atrás escrevemos, há razões de todo o tipo que nos conduziram a esta encruzilhada. Porém, e ao fim de quase 42 anos de independência, pode muito bem ter chegado o momento de virarmos a ampulheta e escolhermos outro caminho. A manutenção da actividade política standardizada, ritualizada, demasiado colada a convenções e a formalismos quase sempre exagerados e alimentados por quem só assim consegue manter-se em círculos relativamente próximos do poder, pode e deve ser mudada.

Temos já algum caminho percorrido, uma aprendizagem que tem tanto de heróica como de trágica e uma consciência colectiva e de comunidade já várias vezes posta à prova. Temos um país onde a esmagadora maioria da população é jovem e ávida de se comprometer com projectos, ideias, movimentos cívicos, culturais, que abre as avenidas inevitáveis de um futuro mais justo, mais solidário e mais democrático.

A mudança geracional a que estamos a assistir - e na qual participamos ainda que alguns nem disso se apercebam - pode proporcionar esse passo gigante que, se formos capazes de dar, facilitará em grande medida a resolução dos mais graves problemas com que nos debatemos.

A definição de políticas que busquem a proximidade, o diálogo com todos, a diminuição da distância que separa governantes de governados, a normalização e humanização de quem detém o poder, proporciona, em larga medida, que todos possam sentir que a sua voz é ouvida, a sua opinião levada em consideração. Dá-nos uma dimensão que, enquanto seres humanos, enquanto cidadãos ou cidadãs, precisamos de ter: a de que, independentemente da nossa origem, da nossa maior ou menor importância social, política ou económica, temos o direito natural e legítimo de nos empenharmos na discussão e na procura das soluções, em vez de vivermos a apontar erros e defeitos.

Diminuir a distância que separa governantes de governados é um dos segredos da boa governação. A capacidade de ouvir. De ouvir muito. De ver. Com olhos de ver. De estudar. De conhecer a realidade e não deixar que ela chegue ao seu conhecimento por outras vias que não sejam a do contacto permanente e quotidiano com os múltiplos problemas que afectam o país, de acordo com a realidade concreta de cada região.

Precisamos de recuperar o que chamámos de ética. De lembrar que este país é muito mais do que Luanda. De não esquecer que somos um estado laico. De levar a sério o facto indiscutível que a premissa da construção de uma sociedade democrática assenta no facto de termos, todos, deveres e direitos iguais. Precisamos de bom senso, de serenidade, de argúcia. E de mais patriotismo.