A verdade é que as gerações dos anos 30, 40 e 50 do século passado, mesmo num meio intelectualmente pobre como eram Luanda, Benguela, Huambo, ou a então Sá da Bandeira, hoje Lubango, em circunstâncias adversas e num meio limitadíssimo e generalizadamente hostil, onde até o acesso aos livros era difícil - leia-se o texto de Arnaldo Santos publicado no Jornal de Angola de domingo passado, 11 de Fevereiro, foram conseguindo, entre acertos e desacertos, encontros e desencontros, construir uma base cultural que rapidamente se alastrou e foi derrubando muros e limitações que pareciam impossíveis.

Hoje em dia, com centenas de fontes de informação diária, com acesso gratuito a milhares de publicações, com a facilidade de contactos com qualquer extremo do mundo, as gerações mais recentes, digamos que as nascidas a partir dos anos 60, em absoluta contradição com os Mais-Velhos das gerações anteriores, parecem absolutamente perdidas.

O mundo das certezas inabaláveis colapsou, a segurança das convicções deu lugar a profundas dúvidas até mesmo existenciais, os eixos que seguravam um largo mar de gente que se abrigava sob valores colectivos perderam aparentemente o rumo, e a brutalidade desta informação as mais das vezes mal servida e falsa, que jorra abruptamente sem parar, mexeu com o mais profundo da realidade de todos e de cada um.

Entre o culto de um individualismo exacerbado e a necessidade da afirmação pessoal, grande parte das pessoas, a começar pelos auto-denominados intelectuais, actuam como se tivéssemos perdido o norte e como se, num repente (dez, quinze, vinte anos) tudo se tivesse desmoronado à nossa volta.

Admitimos que não é fácil, num mundo como o de hoje, cada um centrar-se, com todas as condicionantes que ainda existem, mais agora, no nosso caso, com as graves dificuldades económicas e financeiras que atravessamos, de forma consciente e lúcida quanto à generalidade dos princípios e das ideias que nos alimentaram décadas a fio, e continuam a servir de água e pão para alguns, para quem necessita de lucidez e discernimento no quadro das opções que foi fazendo. É preciso pois, mais do que nunca, voltar a estabelecer pontes e fazer com que, uma realidade como a nossa, que mesmo nos momentos mais difíceis nunca deixou de encontrar, a vários níveis, na discussão colectiva, nas associações culturais, nos grupos desportivos, nas organizações do que hoje se chama de sociedade civil, formas de exercer uma pressão positiva que visasse encontrar soluções para os problemas que mais nos apoquentavam.

O que não devemos aceitar é esta nova visão egocêntrica do mundo e da vida que, um pouco por todo o lado vai sendo imposta, e que, perante o silêncio de muita gente, o encolher de ombros de uma grande maioria e o desencanto doloroso de outro grande número de pessoas, vai dando lugar ao desconjuntar de décadas de formas de organização social que permitiram não só enfrentar realidades duríssimas, como ainda resultaram em tempos que têm lugar reservado na nossa História colectiva.

O silêncio auto-imposto, o calar de vontades próprias por entender que "já não vale a pena", a desilusão feita forma de cada um, de cada uma, se deixar arrastar pela vida, têm de ser combatidos a partir de dentro de nós mesmos.

Até porque não é a intelectualidade que está em risco do ponto de vista material ou da realidade concreta.

Como escreve Farhad Khosrokhavar no seu "A Procura de Si", um diálogo com Alain Touraine, "a questão que se coloca é a de saber se, nos excluídos, nos precários, nas pessoas desapossadas da sua "dignidade", existe uma aptidão que possa constituí-los ou não como sujeitos, se eles puderem construir uma definição de si em termos positivos. O resto compete-nos a todos nós. Assumir ou não as nossas responsabilidades. Individual e colectivamente.