A revelação pública, há dias, de dados sobre as ligações de um conselheiro da ERCA (Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana) aos serviços da Bófia, por si só, configuraria um escândalo em qualquer sociedade democrática.

Essa mancha, apelidada de «desconforto insanável no seio da classe jornalística angolana» pelo jornalista e jurista Kajim Ban-Gala, causou poucos sobressaltos aos políticos e aos media angolanos.

As reacções isoladas traduzem o tipo de sociedade em que vivemos, onde a bufaria, a perseguição e, mesmo nalguns casos, a morte de pessoas que pensam diferente vão tornando-se cada vez mais normalizada.

Nas sociedades com regimes securitários, autocráticos, há jornabófias e jornalistas. Os primeiros estão em maioria, enquanto os segundos estão em vias de extinção.

Muito embora enfrentem diariamente um combate difícil, os jornalistas, como classe de elevada consciência moral, continuam a mostrar-se resistentes.

Nos regimes autocráticos, os jornabófias são premiados ao mais alto nível por perseguir jornalistas, políticos e activistas.

A sua ascensão no universo bófia está directamente ligada à quantidade e, sobretudo, à qualidade de indivíduos que conseguem detonar, sujar e derrubar, usando calúnias e inverdades.

Tais agentes, travestidos de jornalistas, montam cabalas, criam inventonas, são intolerantes, antidemocráticos, combatem as liberdades, particularmente a Liberdade de Imprensa e de Expressão.

Na sociedade angolana, a maior parte desses jornabófias são pequenas ardósias, gente de formação técnica, política e humana muito débeis.

São pessoas "da pior espécie, os chamados «alicates» que usaram os seus contactos para prejudicar profissionais sérios ou para impedir a penetração do Sindicato dos Jornalistas; outros usaram essa via para chegar a cargos de direcção editorial", como denuncia, no Facebook, o jornalista Ismael Mateus.

Entre os jornabófias, destacam-se, também, os adidos de imprensa que nos países onde estão acreditados têm como tarefa principal chantagear, perseguir e controlar os seus compatriotas da diáspora e colegas da embaixada, utilizando os métodos da PIDE.

A infiltração de um agente seu na ERCA veio mostrar que já há, por parte da bófia, um esforço para ter alguns quadros com razoável capacidade, para ludibriar e ter aceitação junto dos "seus pares".

Em vez de um jornalista, foi admitido no Órgão Regulador da Comunicação Social um agente secreto, o que é um escândalo de tal envergadura que bastará para pôr em causa a sua estabilidade e credibilidade, bem como dos políticos envolvidos nisso.

O que devia inquietar primeiramente os jornalistas e os órgãos que têm por responsabilidade defender os profissionais e o jornalismo foi tratado como faits divers. Pouca ou nenhuma celeuma provocou.

Os grandes media passaram olimpicamente ao lado da questão, e as organizações às quais cabe à defesa da classe remeteram-se a um silêncio perturbador.

Defender os direitos de uma classe não pode resumir-se à exigência de melhores salários, viaturas, habitação, formação ou, aberrantemente, fazer parte "da festa da vitória eleitoral do partido".

Defender a democracia é também papel do Jornalismo que passa, fundamentalmente, pela defesa do bom-nome e dignidade da classe, denunciar os infiltrados, cuja missão é arrastar a profissão para um terreno lamacento, visando desacreditar um dos pilares da democracia.

Esperava-se também que esse «desconforto insanável» suscitasse o debate sobre que jornalismo se faz em Angola, o papel dos jornalistas na sociedade e como pode a comunicação social ser contrapoder, estando impregnada de jornabófias e propagandistas partidários?

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