Era um tempo de grande avanço das conquistas sociais dos trabalhadores europeus, em simultâneo com um contínuo crescimento económico de sociedades de desenvolvimento capitalistas, na Europa Ocidental, balizadas por um grande poder de intervenção dos poderes políticos das esquerdas e de um peso dos sindicatos marcante e decisivo para a luta pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores. O estado social afirmava-se cada vez mais, num quadro que não andava longe do que se chamava então de social-democracia, porém, com Governos que, não raras vezes, integravam partidos comunistas e socialistas, como sucedeu, por exemplo, na Itália e em França.

Vem tudo isto a propósito de dois factos: um em que vimos insistindo, na clara falta de capacidade política e intelectual da esmagadora maioria dos estadistas deste século XXI (um pouco por todos os continentes deste nosso mundo). O segundo, tem explicação plausível a partir do discurso do Chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, domingo passado, nas comemorações do Armistício. O Dia do Armistício, que coincide com o dia da nossa Independência Nacional, 11 de Novembro (1918), é uma comemoração simbólica do fim das hostilidades entre os aliados e o exército alemão, em Compiègne, na França, muito embora as hostilidades tenham ainda prosseguido noutras paragens, como na Rússia e na actual Turquia. A intervenção do Presidente francês teve o condão de chamar a atenção para a necessidade de se prestar atenção ao perigo que começa a emergir, na Europa e nos Estados Unidos em particular, de manifestações públicas e notórias de gente claramente fascista, recuperando, em alguns casos com um tipo de linguagem mais moderna, a mesma retórica utilizada por gente que defende, às claras, o racismo, a xenofobia, o nacionalismo e a recusa de sociedades abertas, tolerantes, que reconheçam as diferenças políticas, culturais e sociológicas, naturalmente de todos os que respeitem as convicções e as razões de cada um. No caso vertente, lembrámo-nos de imediato de um estadista que não esconde - não lhe chamaríamos convicções porque nem nível cultural tem para as ter - a sua veia trauliteira, populista, anti-ética e desequilibrada do ponto de vista psicológico, e que é Presidente da (ainda) maior superpotência à face da terra, os EUA.

Terminada a cerimónia oficial em Paris, perante Chefes de Estado e de Governo da esmagadora maioria dos países que participaram na 1ª e depois na 2ª Guerras Mundiais, o referido indivíduo recusou-se a fazer pouco mais de cem quilómetros para prestar homenagem aos soldados norte-americanos mortos em França, segundo ele "por causa da chuva", enquanto Justin Trudeau, o primeiro-ministro canadiano, fazia mais de cento e noventa quilómetros para colocar uma coroa de flores num cemitério de soldados canadianos perto de Arras, no norte de França.

Chegado a Washington, o "lobo" Donald Trump, em resposta a algumas das questões de fundo levantadas por Macron no seu discurso e ao claro distanciamento entre o que a Europa Ocidental defende e os postulados da turma do "playoldboy" que governa pelo Twitter, não paga impostos nem declara rendimentos, insultou os franceses (e no caso) o mundo inteiro, afirmando, relativamente à Segunda Guerra Mundial que "os franceses já estavam a começar a aprender alemão antes de os Estados Unidos chegarem"!

Não é uma gafe diplomática; não é um erro de protocolo. É a opinião de um "lobo" que se assume cada vez mais como igual aos que Reggiani denunciou há 51 anos. É preciso pois que os políticos, diplomatas, estudiosos, intelectuais, artistas, gente de todas as áreas da vida humana que defendem a democracia e que saibam reconhecer que a nossa grande riqueza está nas nossas diferenças e semelhanças, se juntem e tracem estratégias de luta. Porque com este tipo de estadistas, o mundo torna-se cada vez mais perigoso todos os dias. Os "lobos" estão cada vez mais em todas as latitudes do nosso mundo. Não apenas em Washington.