A "resposta" de Angola a Portugal poderá ser transmitido ao primeiro-ministro português em Davos, na Suíça, quando João Lourenço e António Costa se encontrarem de novo, daqui a duas semanas, já depois da data prevista para o início do julgamento do ex-Presidente angolano, em Lisboa.

Em Novembro, quando João Lourenço e o primeiro-ministro português se sentaram à mesa, António Costa disse que as relações entre Portugal e Angola vão muito bem à excepção de uma situação "irritante" que é o processo que envolve Manuel Vicente na justiça portuguesa, mas que isso não dependia do seu Governo devido à separação de poderes existente em Portugal.

Este fim-de-semana, o primeiro-ministro português voltou ao assunto e reafirmou que o julgamento que envolve Manuel Vicente, onde este está acusado de, entre outros crimes, de subornar um procurador português, e que deve arrancar até 22 deste mês, é um caso na justiça e que o seu Governo não tem como nem pode influenciar o decurso do trabalho dos tribunais, mas que, fora isso, as relações entre os dois Governos, os dois Chefes de Estado e os dois Parlamentos seguem de forma excelente.

Referindo-se ao encontro aprazado para Davos, dentro de duas semanas, com o Presidente João Lourenço, o primeiro-ministro português disse que "as relações entre Portugal e Angola vão decorrer com toda a normalidade possível, num contexto em que há um problema" por resolver e sobre o qual ele, como chefe do executivo nada pode fazer.

Mas lembrou que o encontro entre os dois na Costa do Marfim, durante a Cimeira União Europeia/União Africana, "foi uma reunião frutuosa, onde ficou claro que não há nenhum problema entre Portugal e Angola dos pontos de vista económico e político. Há uma questão que transcende o poder político, que não diz respeito ao Presidente da República, ao Governo ou à Assembleia da República. É um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias".

Recorde-se que o Presidente angolano também admite em tese a excelência das relações entre os dois países, mas sublinha que para Angola esta questão surge com mais peso que aquela que Portugal quer mostrar e isso fica claro quendo reafirma que as relações entre os dois Estados no futuro vão depender de forma clara e inequívoca do desfecho do caso judicial que envolve o ex-Presidente Manuel Vicente nos tribunais portugueses.

Só que, como relembrou Costa, "as autoridades judiciárias têm plenos poderes para decidir sobre essa matéria. Não há um problema entre os governos português e angolano, ou entre os presidentes da República de Portugal e de Angola, ou entre os parlamentos dois países", elogiando aquilo a que chamou a forma como a questão foi "muitíssimo bem" colocada por Angola e de uma "forma muito precisa" que este ser um problema que "é da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias portuguesas".

Todavia, mesmo aceitando ser uma questão das "autoridades judiciárias portuguesas", o Presidente angolano não deixou de sublinhar que esta questão pode prejudicar de forma severa as relações entre Angola e Portugal.

Na conferência de imprensa alargada que João Lourenço deu, foi clara a intenção de não deixar passar em claro este caso, embora não tenha, quando questionado sobre isso, levantado o véu sobre a resposta de Luanda à "ofensa" das autoridades judiciárias portuguesas, limitando-se a um simples: depois Angola dirá qual a sua resposta.

Mas informou o Governo de Lisboa sobre o que é preciso para colocar um ponto final neste problema: "Basta um gesto simples", que é transferir o processo contra Manuel Vicente para os tribunais angolanos.

Até porque, como evidenciou o Presidente da República, Angola não quer a absolvição ou o arquivamento do processo, quer apenas que a justiça seja produzida em Angola, em tribunais angolanos.

Para já, sabe-se, pelos relatos e pelo enorme espaço que a imprensa portuguesa tem dado a este assunto, que tanto a Procurador Geral da República como os juízes que têm em mãos o processo, não querem deixar partir para Angola o processo que envolve Manuel Vicente.

"Muitíssimo preocupado"

Entretanto, ainda este fim-de-semana, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, veio dar maior relevância ao caso do que aquela que parecia ser a estratégia de desvalorização do governo de Lisboa, ao afirmar ao semanário Expresso que está "muitíssimo preocupado" com o efeito que este caso está a ter nas relações entre os dois países.

Santos Silva sublinhou mesmo que uma boa parte da sua grande preocupação resulta do facto de o Governo não ter qualquer influência no decorrer do processo judicial que envolve Manuel Vicente.

Recorde-se que o embaixador português Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, que é considerado ter relações de grande proximidade com o Executivo angolano, admitiu na semana passada que uma das respostas possíveis de Angola é suspender a sua participação na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Isto, porque um dos argumentos que Luanda tem utilizado para pedir a transferência do processo para Angola é que existe um acordo jurídico no âmbito da organização lusófona que permite essa solução de forma clara e inequívoca e que as autoridades portuguesas só a ele não recorrem por falta de vontade para ultrapassar este imbróglio.