Geraldo Sachipengo Nunda está em Maseru, capital do Lesoto, desde domingo, onde vai reunir com as chefias das forças angolanas no país, e com as autoridades nacionais, para averiguar a situação desde que o Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança (OCPDS) da SADC, liderado por Angola, decidiu enviar uma força militar para o país, integrada por diversos Estados, em finais do ano passado, denominada Missão de Prevenção para o Reino do Lesoto (SAPMIL).

Esta força militar, que poderá chegar, de forma progressiva, aos mil elementos - actualmente são cerca de 300 -, com contributos de vários países da organização da sub-região austral, sendo, potencialmente, duas centenas angolanos, entre militares e especialistas civis na resolução e contenção de conflitos, foi criada após o assassinato, em Setembro do ano passado, do chefe do Exército do Lesoto, general Khoantle Motsomotso, por oficiais rivais, gerando uma grave crise no pequeno reino encravado entre montanhas no interior-nordeste da África do Sul.

A presença do general Nunda em Maseru acontece pouco depois de o primeiro-ministro do Lesoto, Thomas Thabane, ter estado em Luanda, para conversações com o Presidente João Lourenço, que é o líder da OCPDS da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral).

O Lesoto, independente do Reino Unido desde 1966, vive há décadas, praticamente desde que se libertou do comando de Londres, em crises sucessivas, quase todas de origem militar, numa perpétua luta pelo poder que, apesar de ser um reino e ter um governo formal, é literalmente comandado pelas chefias militares, condição que a SADC procura agora, de forma definitiva, transformar, retirando poder aos militares.

Para se perceber a grande complexidade deste pequeno país, basta ter em conta que, desde 1986 com maior amplitude, mas não menos instabilidade antes, Maseru assitiu a múltiplas crises, desde logo com o golpe do general Justin Lekhanya, em 1986, que assume o poder, destitui o rei Moshoeshoe II e coloca no trono o seu filho, Letsie.

Mas o velho rei volta ao poder em 1991 devido a novo golpe militar e o seu filho regressa ao trono com a morte do pai, em 1996, desta feita com o título de Letsie III.

Em 1998 realizam-se eleições e o Congresso para a Democracia de Lesoto (LCD) ganha e Bethuel Pakalitha Mosisili assume o cargo de primeiro-ministro, apesar da forte contestação da oposição que alega uma evidente fraude.

A crise assume proporções gigantescas e a África do Sul e o Botsuana enviam tropas para o país, a pedido do primeiro-ministro, conseguindo controlar a situação mas a custo de maisd de uma centena de mortos.

E este é o contexto geral do Lesoto, acrescido da morte do comandante das forças militares em Setembro de 2017, que a SADC e o seu OCPDS querem acabar de uma vez por todas, estando Angola e a África do Sul, que lideram estas duas organizações, a gerir a situação e os planos em curso para isso, incluindo a presença militar no reino.

E essa foi a parte grande das conversas do primeiro-ministro do Lesoto, Thomas Thabane, que esteve em Luanda durante 48 horas, em Março, sobre o processo de estabilização do seu país.

O histórico da intervenção angolana

João Lourenço, enquanto líder do OCPDS da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), e Jacob Zuma, então Presidente da África do Sul e líder da organização austral, estiveram lado a lado na condução da estratégia de pacificação do Lesoto, envolvendo-se na formação de um contingente militar e policial que foi enviado para o Lesoto enquanto primeira força de pressão para diminuir a tensão e, posteriormente, sendo esse o caso do momento, para funcionar como ferramenta de garante da consolidação das instituições do país e o regresso à normalidade democrática.

Com Zuma de fora, depois de resignar ao poder na África do Sul, pressionado por fortes acusações de envolvimento em esquemas de corrupção e peculato, e substituído por Cyril Ramaphosa, é João Lourenço o líder regional que mais informação e proximidade mantém com os problemas que o conturbado e pequeno reino encravado no meio da África do Sul está a viver.

E, pelo conteúdo das declarações de Thomas Thabane antes de deixar o aeroporto de Luanda, João Lourenço deve ter sublinhado com algum vigor a urgência de ver este problema resolvido em definitivo, até porque a SADC e o OCPDS têm problemas bastante mais pesados pela frente para tratar, como é o caso do processo eleitoral no barril de pólvora que é a República Democrática do Congo (RDC), onde as eleições presidenciais vão ter lugar, se não acontecer nada que as impeça, a 23 de Dezembro.

Thabane sublinhou a ideia de que só a paz é solução para os países africanos, que só com eleições regulares e democracia consolidada é possível construir sociedades desenvolvidas, anuindo à ideia de que esse vai ser o caminho no pequeno reino do Lesoto, que desde que obteve a independência da Grã-Bretanha, em 1961, viveu sucessivas crises de natureza política e militar.

Como foi o caso da crise actual, despoletada pelo assassinato, em Museru, capital do país, do general Khoantle Motsomotso, comandante das Forças Armadas, por oficiais rivais que pretendiam o poder militar, que, como era tradição, tinham o poder para determinar os destinos do país influenciando completamente as decisões políticas.

Actualmente, Angola mantém cerca de duas centenas elementos, militares e de segurança, no contingente da SADC no Lesoto, que inicialmente deveria chegar aos mil elementos, incluindo especialistas civis na resolução de conflitos, sendo, por isso, uma peça-chave para conduzir este processo a bom porto.

"A paz é a solução, a guerra e as matanças só deram e vão continuar a dar má fama ao continente", disse o primeiro-ministro Thabane antes de deixar Angola, garantindo o empenho do seu Governo numa transição sólida, com a realização de eleições democráticas e com a consolidação das suas instituições, especialmente a militar, que tem sido o foco principal da instabilidade naquele país durante as últimas décadas.