Em entrevista à agência Lusa, o autor do livro "Guerrilhas e Lutas Sociais - O MPLA Perante si Próprio - 1960/1977", a publicar em breve pela editora portuguesa Mercado de Letras (814 páginas), lembrou que é o "partido Estado" quem tem a última palavra "sobre tudo o que diga respeito às decisões fundamentais" do país.

"A forma como foi designado o sistema político e governativo angolano, em que é o partido que governa o país, o MPLA, é que tem a mão e a última palavra sobre tudo o que diga respeito às decisões políticas fundamentais que norteiam o rumo do país, o que não permite acomodar a actual dualidade de poderes", considerou o historiador.

Segundo Mabeko-Tali, professor na universidade norte-americana de Howard, em Washington, a situação de dois poderes paralelos e quase concorrentes, um na direcção do Estado (com o Presidente João Lourenço), outro com a direcção política do país (de Eduardo dos Santos) "parece perigosa para o consulado" do Chefe de Estado.

A situação "acaba por colocar o Chefe de Estado numa posição de subalternização politicamente incómoda e de riscos de chantagem política, ou simplesmente de bloqueio por parte de quem tenha o poder de decisão política na mão. E não vale a pena andarmos a fazer comparações com outros países para dizer que não há riscos de colisão cimeira", sublinhou.

Para o doutorado em História (1996) pela Universidade Paris VII Denis Dedorot e mestre em Estudos Africanos, a prova de que, apesar da mudança, é a liderança do MPLA quem, "na prática, tem a última palavra política", passa pelo facto de Eduardo dos Santos se manter "agarrado à direcção do partido", mesmo depois de ter prometido que iria abandonar a vida política.

Eduardo dos Santos "sabe bem o poder de bloqueio que tem na mão face ao poder executivo do João Lourenço. Se este poder político fosse irrisório, [o líder do MPLA] não estaria a fazer o finca-pé actual, ao ponto de pôr em risco a sua própria herança política", salientou o historiador, natural do Congo Kinshasa.

"A verdade é que há muitos interesses em jogo no que à família [de Eduardo dos Santos] diz respeito, e que justificam este finca-pé. O que, em termos políticos, coloca o chefe do executivo numa situação deveras embaraçosa e frágil. Ao eternizar-se esta situação, o próprio MPLA correria o risco de perder algumas penas em termos políticos e de uma popularidade que já vem sendo beliscada nos últimos anos", sustentou.

A mina anti-governativa deixada por JES

Questionado pela Lusa sobre se, no início da presidência de João Lourenço, ainda se pensou que as exonerações e combate à corrupção teriam sido combinadas com Eduardo dos Santos e que as sucessivas arremetidas do actual Presidente, afinal, provam o contrário, Mabeko-Tali afirmou não saber.

"Não sei dizer se houve ou não "combinação inicial", se partirmos da suposição que o antigo Chefe de Estado escolhera o seu sucessor com base numa certa confiança quanto à capacidade deste de salvaguardar os interesses da antiga família presidencial. Há, no entanto, necessidade de se acreditar que o sucessor possui uma visão própria, uma vontade própria de imprimir um cunho que seja só seu na direcção do país", disse.

"Qualquer observador da vida sociopolítica de Angola sabia que João Lourenço não poderia, de forma alguma, levar de maneira cabal os primeiros meses, ou mesmo anos, do seu consulado se não tivesse controlo económico sobre duas entidades empresariais e financeiras chave para a economia e a vida económica de Angola: a Sonangol e o Fundo Soberano de Angola", acrescentou.

Para Mabeko-Tali, Eduardo dos Santos, ao nomear a sua própria filha, Isabel dos Santos, para a Sonangol, o antigo Chefe de Estado colocou "um problema bicudo" ao seu sucessor, "uma autêntica mina anti-governativa", o mesmo sucedendo com o controlo dos meios de comunicação ligados ao Estado.

"Devemos acreditar que João Lourenço vem com uma visão própria, que lhe fez ver onde estava o seu interesse como Presidente da República e executor do programa de Governo pelo qual ele foi eleito. E, em termos de recursos humanos, não há nenhum Chefe de Estado que chegue ao poder sem ter um elenco seu, que lhe é devoto e de total confiança", sustentou.

"Isto implica necessariamente uma certa limpeza em casa do que restava do antigo inquilino, mesmo que, por uma questão de equilíbrio, haja algum compromisso no sentido de não limpar tudo do passado, e que haja que acomodar alguns quadros do elenco do antigo Chefe de Estado", frisou Mabeko-Tali.

Para o autor do ensaio da história política do MPLA, esta situação é um "compromisso que traduz o oposto a um corte radical".

"O MPLA nem lhe teria permitido tal corte radical, pois há necessidade para este de acomodar quadros seus dentro do poder executivo, o que é normal. João Lourenço fez aquilo que era do interesse do seu consulado, pois de algumas dessas decisões, dependerá o balanço no fim do seu primeiro mandato e o seu legado histórico como Chefe de Estado", concluiu.