"Não houve muita polémica. Só 48 horas. No fim do jogo, se se ganha, é o que conta", respondeu João Lourenço, citado pela Lusa, às perguntas dos jornalistas do semanário Novo Jornal e da Televisão Pública de Angola, desdramatizando as "48 horas" da polémica que antecedeu as exéquias fúnebres do líder histórico da UNITA, realizadas a 01 de Junho.

"Ninguém vai querer saber se algum jogador se magoou durante a partida. Teve um final feliz. O que são 48 horas de desentendimento", afirmou, lembrando que o Governo apoiou o processo desde o início, quando, em meados de 2018, o presidente da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Isaías Samakuva, o abordou nesse sentido.

Na entrevista, João Lourenço referiu também que a sua presença nas exéquias fúnebres de Savimbi nunca esteve prevista, recusando qualquer comparação com o caso do antigo general da UNITA Arlindo Chenda Pena "Ben Ben", a 13 de Setembro de 2018, quando o corpo foi trasladado de um cemitério sul-africano e tratado em Luanda com "honras de Estado".

"Não há comparações com 'Ben Ben', que foi um general oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), Chefe do Estado-Maior Adjunto das FAA. Era um homem de Estado e teve honras de Estado. Não tem comparação possível", argumentou João Lourenço.

Já para admitir que o crescimento económico do país está "lento", garantindo embora que o impacto da política económico-financeira do Governo na população vai chegar, o Presidente da República recorreu a um conhecido ditado popular.

"Roma e Pavia não se fizeram num dia. Estão a ser tomadas todas as medidas de acompanhamento da sociedade e já muito foi feito. É evidente que os problemas não estão todos resolvidos", declarou.

À pergunta dos jornalistas se, quando chegou ao poder, em Setembro de 2017, encontrou um país armadilhado, Lourenço refutou a ideia, respondendo que encontrou "dificuldades", entre elas a corrupção, para defender que se não tivesse encetado um programa de combate ao fenómeno, o país estaria "muito pior".

"Já me disseram que sou um salvador, mas não apanhei o país armadilhado. Encontrei dificuldades, mas não encontrei um país armadilhado" economicamente, expôs.

Questionado sobre os investimentos públicos de milhões de dólares que não tiveram qualquer retorno para Angola, João Lourenço destacou que o principal foco, para já, está centrado no "ataque aos grandes valores", destacando os vários casos que estão em investigação na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Questionado se tem "aliados de peso" para poder levar por diante o combate à corrupção no país, o Presidente da República respondeu que os aliados são "todos os angolanos" que o querem ajudar a combater o fenómeno.

Sobre um alegado "tratamento diferenciado" da Justiça nos casos que estão aparentemente ligados a altas personalidades angolanas, João Lourenço foi vago, respondendo desconhecer "se estão livres", uma vez que há casos em investigação judicial.

"Quando se está a ser investigado [pela Justiça] não se é livre", disse.

Na entrevista, João Lourenço voltou a destacar a aposta do Governo na agricultura, para apoiar a diversificação económica do país - 95% das exportações são de petróleo -, a construção e reconstrução de escolas, hospitais, centros de saúde e estradas, escolhendo, em cada resposta, valorizar o que está a ser feito, embora admitindo que muito está ainda por fazer.

O chefe de Estado referiu também que o Governo tem estado a criar condições para uma maior participação do sector privado na vida económica do país, desdramatizando as dificuldades e lembrando que o Deutsche Bank abriu recentemente uma linha de crédito de 1.000 milhões de dólares para apoiar os empresários.

"Organizem-se e recorram à linha de crédito", afirmou, quando questionado sobre as dificuldades que os empresários têm na obtenção de crédito bancário, sobretudo os custos financeiros daí decorrentes.

As respostas curtas foram também usadas para responder a questões como a falta de água e de energia eléctrica, garantindo que "são duas das outras dificuldades que estão a ser resolvidas paulatinamente".

Durante a entrevista, João Lourenço voltou a garantir a aposta do Governo na construção de duas refinarias - Lobito (Benguela) e Cabinda -, o que vai permitir diminuir as importações de petróleo e minimizar a "inaceitável situação de um país que é o segundo maior produtor de crude na África Subsariana não ter combustível em condições".

Em relação aos subsídios aos combustíveis, que têm permitido uma estabilidade dos preços há mais de dois anos, João Lourenço considerou que a exigência de lhes pôr fim, tal como defende o Fundo Monetário Internacional, vai ser alvo de análise.

"Os subsídios devem ir no sentido de serem alterados de forma razoável", declarou, sem se alongar, lembrando que os preços em Angola estão muito abaixo dos que se praticam noutros países.

Em relação à implementação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), inicialmente previsto para entrar em vigor em 01 de Janeiro deste ano, adiado, depois, para 01 de Julho e, mais tarde, para 01 de Outubro, João Lourenço assumiu que o executivo estava errado e que "ouviu" as razões do empresariado angolano.

"Onde falhámos? Não é uma falha. Às vezes há males que vêm por bem. Fomos humildes ao ouvirmos o empresariado. Ouvimos e concluímos que eles tinham razão. Agora ainda há tempo para todos se prepararem melhor"

"Onde falhámos? Não é uma falha. Às vezes há males que vêm por bem. Fomos humildes ao ouvirmos o empresariado. Ouvimos e concluímos que eles tinham razão. Agora ainda há tempo para todos se prepararem melhor", respondeu.

O Chefe de Estado respondeu também a questões que lhe foram colocadas enquanto presidente do MPLA, considerando que a substituição do secretário-geral do partido, ocorrida no VII Congresso Extraordinário, realizado a 15 de Junho, "não tem explicação, nem tem de ter", comparando a saída de Boavida Neto e a entrada de Paulo Pombolo a uma substituição num jogo de futebol.

"Não tem explicação, nem tem de ter. É um jogo político. É como num jogo de futebol. As substituições visam reforçar a equipa e foi isso que se fez", disse.

Colocado perante uma das leituras feitas pela imprensa angolana, a de que Boavida Neto, numa entrevista ao semanário Expansão, defendeu o legado do ex-chefe de Estado de Angola José Eduardo dos Santos, João Lourenço desvalorizou, refutando a existência de qualquer mal-estar com o ex-secretário-geral do MPLA.

"Não me senti desconfortável. Sou frontal. Se não tivesse gostado teria dito [a Boavida Neto]. Foi uma substituição", insistiu, garantindo que outra das medidas tomadas no congresso, o aumento de 363 para 497 do número de membros do Comité Central do MPLA, não foi para diluir o peso da "velha guarda" do partido.

"Ninguém saiu, nem da velha guarda nem da nova guarda. Houve um rejuvenescimento do partido. Injectámos jovens, género e quadros. É um reforço na qualidade para os combates que estamos a travar, contra a corrupção e impunidade e pela diversificação da economia, e para os que vêm aí [eleições autárquicas previstas para 2020]. Estou melhor servido no Comité Central", sustentou.

"Aliás, foi a 'velha guarda', antes sequer de ser eleito Presidente da República ou líder do MPLA, quem mais escreveu a José Eduardo dos Santos a dar conta da necessidade de se começar a pensar na sucessão", contou.

O Presidente da república negou também deter poderes constitucionais excessivos, sublinhando que a revisão da Carta Magna não é um acto obrigatório, havendo órgãos com competência para avançar com o processo, admitindo, no entanto, que a revisão da Constituição pode acontecer a qualquer momento, desde que se saiba com que objectivo.

No seu entender, o próprio Presidente pode desencadear o processo de revisão, não sendo, porém, obrigado a fazê-lo por entender que não existem razões expressas.

João Lourenço salientou também que cabe ao Parlamento, através da Conta Geral do Estado, fiscalizar a sua acção enquanto Presidente da República.

O Chefe de Estado desvalorizou também as críticas da oposição, que vê no Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) - financiado a partir de recursos provenientes do Fundo Soberano - uma decisão política com fins "meramente eleitoralistas", alegando que Angola pode ter um fundo com menos de 5.000 milhões de dólares.