O anúncio de mais uma Cimeira de alto nível da SADC em Luanda foi feito pelo ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, pouco depois de Joseph Kabila ter deixado Luanda, onde esteve na quinta e sexta-feira passadas, para uma visita de trabalho a convite de João Lourenço, que preside ao órgão que gere as crises políticas e militares na sub-região, o Órgão para a Cooperação Política, Defesa e Segurança (OCPDS).

Na mente dos Chefes de Estado da SADC está bem patente a possibilidade de a instabilidade na RDC poder alastrar a toda a vizinhança, ou mesmo a todo o continente, como o próprio Joseph Kabila, já alertou, quer num discurso no Parlamento em 2017, onde fez questão de dizer que vale a pena ter cuidado com o grande Congo, devido ao seu potencial de dispersar instabilidade a todo o continente, ou ainda num comunicado divulgado em 2016, num contexto de grande violência, com o mesmo teor.

Ainda não há data para este encontro dos lideres da SADC, tendo Manuel Augusto avançado apenas que será "em breve", até porque a RDC caminha a passos largos para realizar as eleições gerais, marcadas para 23 de Dezembro, exactamente dois anos para lá do calendário normal, que deveria ter marcado o fim do 2º mandato, e o último constitucionalmente permitido, de Kabila.

Esta nova Cimeira ocorre depois de frustradas as expectativas de que Kabila pudesse clarificar as suas intenções nesta última deslocação a Luanda, até porque o seu primeiro-ministro, Bruno Tshibala, tinha afirmado em Junho que seria na capital angolana que o Presidente congolês informaria João Lourenço da sua decisão, o que não terá acontecido.

Kabila, nas breves declarações aos jornalistas, no Palácio da Cidade Alta, sem direuto a perguntas, passou ao lado do assunto.

Isto, apesar de o Presidente angolano ter deixado uma pista sobre a conversa que manteve com o seu homólogo da RDC, quando disse que tinha recebido uma "boa nova" de Kabila sobre o andar do processo eleitoral no país vizinho, descrito como estando "a correr com normalidade", sabendo-se que o "normal" será Joseph Kabila ficar fora do boletim de voto como a Constituição impõe e como o próprio assumiu no acordo de São Silvestre, que assinou com a oposição a 31 de Dezembro de 2016.

Esse acordo, intermediado pelos bispos católicos, conseguiu culminar um período de grande violência na RDC, com centenas de mortos entre manifestantes que exigiam nas ruas a realização das eleições e a saído de Kabila do poder.

No entanto, no que deverá ser um dos temas centrais da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da SADC em Luanda, que deverá ter lugar ainda este mês, os partidos e organizações que apoiam Kabila, o seu partido, o PPRD, e a coligação Maioria Presidencial, têm dado sinais claros de que o ainda Presidente da RDC é o seu "único" candidato às eleições de Dezembro, embora sem explicar como vão ultrapassar o entrave constitucional, que impede de forma cabal uma terceira candidatura sucessiva no país.

Enquanto presidente do Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança (OCPDS) da SADC, João Lourenço deverá informar os seus homólogos da sub-região sobre o decurso do processo eleitoral na RDC, transmitir o resultado da conversa que manteve com Kabila na quinta-feira e definir a estratégia para lidar com a crise que aquele país atravessa e que ganhará dimensões perigosas se o ainda Chefe de Estado não desistir de ir a votos de novo.

Podendo estar em cima da mesa uma diferente visão do conceito de normalidade, ou mesmo de interpretação da Constituição, porque, como admitiram já analistas congoleses, Kabila poderá pressionar uma candidatura alegando que os dois anos em que assumiu o cargo interinamente, devido ao atraso no calendário eleitoral, interrompem o ciclo de mandatos sucessivos, que é o ponto central constitucional de impedimento.

Mas, como afirmaram recentemente João Lourenço, Presidente do OCPDS da SADC, e Paul Kagame, Presidente em exercício da União Africana, Kabila deve cumprir o acordo de São Silvestre e não se apresentar a eleições, sendo, provavelmente, essa a melhor definição de "normalidade".

Alias, aquando da visita de Kabila a Luanda, o MIREX, Manuel Augusto, disse, quando se foi despedir do Presidente congolês ao aeroporto, que "do ponto de vista de Angola, está tudo normal, desde que se cumpra com a lei", que é como quem diz, aceitar o preceito constitucional que limita a dois os mandatos sucessivos possíveis.

E ainda que seja cumprido o acordo de São Silvestre, que, pelo contexto em que foi assinado, num momento de grande violência nas principais cidades da RDC, ganha claramente foro legal, e pelo qual os lideres regionais têm alinhado, pedindo que o seu conteúdo seja respeitado integralmente porque foi assinado pelas partes de forma livre.

Tenha-se em conta que o prazo limite para a apresentação oficial de candidaturas termina a 08 de Agosto, quarta-feira, e que o PPRD e a Maioria Presidencial ainda não apresentaram nem anunciaram qualquer candidato alternativo a Kabila, tendo, pelo contrário, lançado uma campanha com a sai cara, afirmando que ele é o seu "único" e a "100 %" candidato.

Entre os grandes candidatos às eleições gerais de Dezembro, apenas Jean-Pierre Bemba, antigo vice-Presidente de Kabila, entre 2003 e 2006, fez o depósito legal da candidatura, enquanto Moise Katumbi, ex-governador do Katanga, está a encontrar dificuldades para regressar ao país, levantadas pela justiça congolesa.