Cerca de 35 mil pessoas, na sua esmagadora maioria mulheres e crianças, fugiram das províncias do Kasai e do Kasai Central, comummente definidas em conjunto como Grande Kasai, procuram refúgio na Lunda Norte, entre meados de 2016 e finais de 2017, devido à violência das milícias de Kamwina Nsapu.

Estas milícias deixaram aquela região congolesa a ferro e fogo, gerando, para além dos refugiados em Angola, mais de 4 000 mortos, segundo a igreja católica, 1,4 milhões de deslocados internos, centenas de aldeias destruídas e milhares de feridos, muitos deles amputados.

Face a este cenário, logo no início da fuga de milhares de pessoas do Grande Kasai para a Lunda Norte, o Governo de Luanda optou por abrir as fronteiras para acolher estas pessoas, alojando-as em dois campos de acolhimento improvisados, e, depois, em Lóvua, onde foi erguido um espaço com melhores condições para acolher os 35 mil refugiados, tendo albergado ali mais de 20 mil.

Entretanto, depois de quase um ano de extrema violência protagonizada pelas milícias de Kamwina Nsapu, denominação local para chefe tradicional, que se revoltou contra o Governo de Joseph Kabila, gerando uma violenta resposta que levou à sua morte em Julho de 2016 e, daí em diante, um efeito de bola de neve que se agigantou em morte e destruição no Grande Kasai.

Isto, até que, entre Setembro e Dezembro do ano passado, as Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC) lançaram um grande operação militar para limpar a região, contando com o apoio das Forças Armadas Angolanas (FAA), que colocaram um forte contingente na fronteira para impedir a fuga dos milicianos para território angolano, ao mesmo tempo que entalavam os "rebeldes" entre duas forças.

Com esta operação, a violência baixou de intensidade e, gradualmente, a situação regressou a uma quase normalidade, havendo apenas pequenas incursões de grupos de milícias contra patrulhas das FARDC e em algumas aldeias consideradas inimigas, como é o caso das da comunidade Tchokwe, com afinidades sanguíneas e culturais com os Chokwe do lado angolano.

Face a esta relativa normalização, os refugiados congoleses em Angola iniciaram um tímido regresso às origens, embora manifestando sempre receio de um regresso da violência, sendo que a ONU entende que, como sublinha o seu Escritório para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (UNOCHA), dos 35 mil apenas cerca de 10 mil encetaram o regresso, ao passo que o governador do Kasai Central, Denis Cimbumbu, garante que é exactamente o contrário, que apenas 13 mil ficaram em Angola, tendo os restantes, mais de 20 mil, regressado nos últimos meses.

E é por isso que Cimbumbu questiona e critica as Nações Unidas que, através do seu Alto-Comissariado para os Refugiados (ACNUR - UNHCR), está a coordenar o alargamento do campo do Lóvua para poder acolher mais de 50 mil refugiados da RDC (Grande Kasai).

Sinal errado dado ao mundo

O que Denis Cimbumbu está a dizer é que o sinal que a ONU está a dar ao mundo e aos congoleses é que não confia na estabilidade do país e quer prevenir futuras situações de emergência, tendo pronto um espaço paras acolher bastantes mais pessoas que aquelas que fugiram para Angola durante os ataques das milícias Kamwina Nsapu.

Denis Cimbumbu fez estas críticas e questões dias depois de ter estado na Lunda Norte, onde, em conjunto com as autoridades angolanas, presenciou a abertura da fronteira entre a Lunda Norte e as províncias congolesas do Kasai e Kasai Central, a 31 de Março, que tinha sido encerrado no auge da violência protagonizada pelas milícias e da fuga das populações locais, embora o Governo angolano tenha garantido sempre a passagem dos que procuravam segurança.

Todavia, para a ONU, segundo o UNOCHA, os números apresentados por Cimbumbu não são correctos, porque dos 35 mil refugiados apenas 10 mil regressaram à RDC, permanecendo pelo menos 20 mil, sendo que destes uma esmagadora maioria são crianças e mulheres.

Mas a questão do campo para 50 mil pessoas, que foi anunciado logo no início das operações humanitárias, na perspectiva de que o conflito entre as milícias e as forças de segurança congolesas se iria intensificar, como aconteceu de facto, e a sua manutenção enquanto projecto, resulta da análise que as organizações humanitárias no local fazem da situação na RDC.

As eleições

O país está em período de enorme instabilidade política e militar, com as eleições presidenciais marcadas para 23 de Dezembro, depois de vários adiamentos e gigantescas manifestações que provocaram centenas de mortos desde 2015, com grupos de guerrilhas activos em várias províncias, como as de origem ruandesa (FDLR) e ugandesa (ADF) nos Kivu Norte e Sul, com milhões de deslocados internos, sendo grave a crise na região de Tanganica, com os Kasai ainda a escaldar devido aos Kamwina Nsapu e com uma situação em Kinshasa onde oposição e Governo de Kabila não se dão tréguas.

O potencial de regresso da instabilidade com o aproximar das eleições é, segundo admitiu ao Novo Jornal Online uma fonte que está em permanência na Lunda Norte, no âmbito do apoio humanitário em curso, é "enorme e não pode ser, dentro do que é razoável, negado".

Face a isso, garantir capacidade de resposta, no contexto de uma aconselhável prevenção, é, para esta fonte, "o mínimo razoável que se pode fazer".

Já sobre as razões que levaram o governador Denis Cimbumbu a criticar a postura das Nações Unidas, esse posicionamento é considerado normal, visto que as autoridades congolesas procuram dar uma imagem de normalidade para este período pré-eleitoral, o que, adiantou a mesma fonte ao Novo Jornal Online, "é, de certa forma, verdade", embora ninguém possa "garantir que se trata de algo garantido face à situação que a RDC atravessa".

Recorde-se que a RDC, desde a sua independência, em 1961, nunca registou um processo eleitoral sem violência, já registou, após a queda do ditador Mobutu Sese Seko, em 1997, duas devastadoras guerras, e vive com sucessivas crises políticas e militares em mais de metade das suas 26 províncias.

O país é governado desde 2001 por Joseph Kabila e s impossibilidade de se recandidatar a um 3º mandato, por exigência constitucional, é um dos focos maiores da tensão dos últimos anos, porque as várias tentativas de se manter artificialmente no poder resultaram em graves situações de violência.

E conseguiu, para já, dois anos no poder para lá do tempo do seu segundo e último mandato permitido, através de expedientes que levaram a adiamentos, por duas vezes, da data das eleições.