O discurso do PR, na Assembleia Nacional, no dia em que que discutiu e votou o Orçamento Geral do Estado, e em que o chefe de Estado assumiu que electricidade, água e combustíveis iriam ficar mais caros, tornou ainda mais negro o horizonte dos angolanos. Há chefes de família a mandar regressar a casa os filhos universitários, há mesmo quem pense no regresso à província para cultivar os terrenos que lá deixou quando rumou à capital. A esperança em João Lourenço, no entanto, apesar de abalada, ainda não está totalmente comprometida e muitos elogiam-lhe o discurso da "verdade", por muito dolorosa que seja.

O sociólogo Tércio Leba é um dos que defende que "a solução para estes momentos é confrontar as dificuldades com coerência".

"O Presidente João Lourenço anunciou que não haverá, por enquanto, aumento de salários. É muito bom quando um governante fala a verdade", frisou, salientando que "as novas políticas do Governo não terão efeitos para já, mas trarão um futuro melhor".

O certo é que os aumentos já se sentem nas prateleiras dos supermercados ou no mercado informal, mesmo depois de o Ministério do Comércio ter avisado, esta semana, em comunicado, que vai acusar judicialmente de "especulação" os comerciantes que elevarem os preços em consequência do regime de flutuação cambial adoptado pelo Banco Nacional de Angola.

A instituição considera os aumentos "actos lesivos aos legítimos interesses económicos dos consumidores", implicando o crime de especulação, e anunciou que vai colocar em acção operações de inspecção e de fiscalização para prevenção e combate aos abusos sobre os preços no consumo.

Mas o comunicado do Ministério do Comércio não impede que a numerosa família do funcionário Almeida Nito esteja angustiada com os preços com que se depara a cada dia e com as novas medidas do Governo que prevêem o aumento dos preços da energia eléctrica, água, combustíveis e impostos.

"Vamos comer o pão que diabo amassou", diz Almeida Nito, que aufere um ordenado de 80 mil kwanzas e é pai de 11 filhos.

"A família já está sensibilizada para as consequências. Avizinha-se um futuro difícil", apontou.

Paulo José Adão, 52 anos, um funcionário público com sete filhos, contou ao Novo Jornal Online que este ano vai retirar da universidade dois dos seus filhos, por não conseguir custear os estudos.

"A vida está difícil, este ano vou sacrificar dois filhos meus, que estão na faculdade. Com o salário que ganho, e como as coisas estão, tenho de priorizar a alimentação da família, de outro modo vamos passar fome", lamentou.

O regresso às províncias onde nasceram está a ser ponderado por muitos

"Vamos voltar para o mato", disse Marta António, vendedeira ambulante, que se juntou à reportagem do Novo Jornal Online numa das ruas da capital. Marta contou que não vê outra solução que não seja a de voltar à sua terra natal para se dedicar à agricultura.

"A vida aqui está cada vez mais difícil, as coisas estão a subir muito e ninguém diz nada, os clientes estão a desaparecer porque os preços estão a aumentar a cada dia, segurar dinheiro esta muito difícil para nós, tenho família para sustentar e tenho a casa de renda para pagar, a única solução é voltar na minha terra e ir para lavra", afirmou.

O panorama é assustador para Kamba Pedro, que trabalha numa empresa de segurança privada como guarda. A ganhar 25.000.00 Kz e pai de sete filhos, Kamba já começou a refazer as contas. "Se os preços dos produtos já atingiram níveis insustentáveis para os consumidores, com o aumento de impostos, da água e da luz, como vou sobreviver?", questionou, contando que até ao momento não conseguiu confirmar as matrículas dos filhos.

Quem também está atormentado com a subida dos preços da electricidade, da água e de outros produtos é o reformado Januário Kitumba. Este já convenceu a esposa a voltarem à terra natal. "É a forma que o Governo encontrou para nos correr da cidade. Volto para o Kuanza Sul, minha província", lamenta.

José Suama, professor do segundo ciclo, diz que, com o elevado custo de vida, a única saída agora é controlar o consumo.

"A má gestão dos recursos por parte do Executivo cessante arrastou o país para o abismo. Agora, as vítimas somos nós, que vamos pagar essa irresponsabilidade toda", acusou.

Para o comerciante Castro Demba, o novo Presidente da República tem uma grande "empreitada" pela frente, numa altura em que o país atravessa uma crise económica sem precedentes.

"A única forma que o Executivo encontrou é sacrificar as pessoas com as suas medidas de austeridade. É um mau começo, mas o que fazer?", comentou, encolhendo os ombros.

Segundo o estudante da faculdade de economia, Raúl Fausto Ngueve, a população sente no bolso os constantes aumentos no preço de produtos básicos.

"As promessas do novo Governo que apontavam para a melhoria de vida das populações não terão pernas para andar, visto que o antigo Executivo deixou os cofres vazios", sintetizou.

Descontente está também a zungueira Formosa Katubo. Durante a campanha eleitoral, ficou muito entusiasmada com os discursos do então candidato do MPLA às eleições, João Lourenço. "Pensei que as coisas iam melhorar, mas compreendi agora que teremos muitos problemas, com o aumento dos combustíveis, água, luz e impostos", lamentou.

Para a zungueira, que tem o marido desempregado, a culpa não é de João Lourenço, mas sim do Governo cessante. "Como é que ele vai trabalhar sem dinheiro?", interrogou a zungueira, sugerindo que "o novo Presidente da República deve apertar o cerco para se resolver "urgentemente" este problema do dinheiro que está fora do país.

As medidas de austeridade preditas pelo novo Governo provocaram um clima de tensão na família do agrónomo Piris Kivata. Com cinco filhos e uma sogra sob sua responsabilidade, o agrónomo já orientou a família para apostarem no campo.

"Tenho três hectares na Funda, município de Cacuaco, Luanda. Todos os fins-de-semana mobilizo a minha família para o campo a fim de cultivarmos a terra e resolvermos alguns problemas alimentares nesta fase da crise", disse.

O antigo combatente Bengui Zanga diz que o antigo Executivo não está impune da desgraça que a população "enfrentou e vai enfrentar".

"O fracasso do que poderá vir acontecer com o novo Governo é da responsabilidade da equipa de José Eduardo dos Santos. Tiraram tudo, agora deixam outros com as mãos atadas", atacou.

Muitos dos cidadãos ouvidos pelo Novo Jornal Online afirmaram que, embora ainda não tenham sentido a subida do preço do pão e do táxi, por exemplo, sabem que não faltará muito tempo até que isso aconteça.

"O pão ainda não subiu mas vai subir, porque se tudo está a subir...", atirou Fábio Brandão, taxista.

"Tudo está mal no país, ganho 40 mil kz, e fica tudo na alimentação. Os meus filhos já não estudam por falta de dinheiro, agora com esses aumento dos produtos vamos fazer o quê?" perguntou Fernandes Paulo, segurança de uma bomba de combustível na baixa de Luanda.

Com um orçamento cada vez mais apertado, os indicadores apontam para uma queda de 48% do poder de compra das famílias nos últimos anos, apesar do reajuste salarial feito em junho 2017.